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domingo, 3 de março de 2019

Um folião


Ciduca Barros

Meu pai adorava um carnaval e era um grande folião. 
Aliás, para quem vivia o ano todo numa constante alegria, o carnaval servia apenas para tornar mais intensa a sua folia.
Por ocasião dos festejos momescos, ninguém contasse com ele para nada. 
Lembro-me de que, certa época, a sua situação financeira não andava bem das pernas, quando chegou o carnaval. 
Na sexta-feira à noite, ele começou seus preparativos para os dias de troça. 
A minha mãe, uma real conhecedora do seu aperto financeiro, vendo os seus preparativos, perguntou:
– Você vai brincar o carnaval, Manoel?
– Vou sim, Chiquinha. E por que não? 
– E as contas que você tem pra pagar? – ela perguntou, com surpresa,
E ele deu uma resposta que retratou bem a sua índole relaxada e que eu jamais a esqueci:
– Até Quarta-feira de Cinzas é feriado, mulher! Os bancos e os cartórios estão fechados. 
E perguntou, sorrindo muito: 
– Como meus títulos serão protestados? 
Dado à pândega, como ele sempre foi, fundou uma escola de samba (Unidos na Folia) e no carnaval gostava de se disfarçar de mulher. 
Foi, durante vários carnavais, a esposa do Zé Pereira (quem não se lembra do Bloco do Zé Pereira, que desfilava na madrugada do sábado de carnaval?). 
Nas suas inúmeras viagens a São Paulo, ele comprou todos os apetrechos para a sua fantasia: tranças compridas, seios postiços, sapatos altos (tamanho 41) e outras peças da indumentária feminina. 
Manoel de Neném, o presepeiro
Ele era um homem alto (1,76 metros), moreno e pesado (tinha 120 quilos), portanto ficava uma volumosa mulata.
Certo carnaval, a sua escola de samba “assaltou” (quem não se lembra dos assaltos carnavalescos?) a casa do senhor Manoel Torres de Araújo, comerciante de renome em Caicó, que foi duas vezes prefeito municipal e quatro vezes deputado estadual, exemplo de político íntegro, recentemente falecido e que era muito amigo dele. 
No momento do assalto, o senhor Paulino Torres, o patriarca da família Torres, na ocasião um homem com mais de 80 anos, estava na casa do filho. 
O meu pai, devidamente travestido de mulher e, naturalmente, disfarçando a voz, fez uma festa com o velho Paulino Torres e o encheu de carinhos: abraçou-o, beijou-lhe a cabeça, sentou no seu colo.
Quando o bloco partiu, o velho demonstrando que havia gostado daquelas carícias femininas, perguntou ao seu filho:
– Manoel, quem era aquela morena tão fogosa?
– Era Manoel de Neném vestido de mulher, papai.
O velho Paulino Torres, rapidamente, mudou o semblante de felicidade para revolta e bradou:
– Vou mandar matar aquele negro fela da puta! 

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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