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domingo, 17 de março de 2019

A botija


Ciduca Barros

Uma pergunta para aqueles que são mais jovens: vocês sabem o que é uma botija? Considerem como se fosse um tesouro escondido. 
Sabem aquela arca, cheia de dobrões de ouro, que nos filmes vemos os piratas enterrar na ilha deserta? Eis aí a botija. 
Aqui no Nordeste Brasileiro, principalmente no nosso sertão do Seridó, nos idos passados, algumas pessoas tidas “de posses”, por falta de bancos, guardavam, ou melhor, escondiam as suas economias em buracos nas paredes, enterradas nos quintais, sítios e fazendas. 
Muitas delas não tinham o cuidado de desenhar um mapa (a exemplo dos piratas) mostrando onde estava a botija.
Assim, quando faleciam, a sua família não sabia onde ficara o dinheiro. 
Essa situação do passado deu muita margem para especulações, no presente. 
Cresci ouvindo histórias de pessoas que descobriram botijas. Sinceramente? Nunca conheci uma delas, pessoalmente. 
Romualdo Verniz, um sertanejo do Seridó, proprietário rural naquela região, se tornou um aficionado em descobrir uma botija na sua gleba rural. 
O cidadão só falava em botijas. Dizem que o homem cavou tanto, que a sua fazenda parecia um queijo suíço. 
Vivia apoquentando o juízo dos amigos com essa obsessão. 
Por isso, alguém resolveu pregar-lhe uma peça. 
Sabedor de que o fazendeiro gostava de pescar à noite num açude por trás da casa-sede da fazenda, foi justamente ali que o amigo lhe preparou a armadilha.   
Numa linda noite de luar do sertão, estava o amante de botijas, sozinho e tranquilamente com a sua varinha de pescar dentro d’água, quando ouviu uma voz cavernosa e sepulcral, vinda não se sabe donde, perguntar:
– Romualdoooooo, você quer enricar? 
Não deu outra. O velho Romualdo pensou incontinente: 
“Valha-me Deus! As minhas preces foram ouvidas. Esta voz é de uma alma e vem me mostrar onde encontrar uma milionária botija”. 
Mesmo tremendo de temor, mas com o seu desejo superior ao medo, com a voz embargada de emoção, respondeu:
– Eu quero, alminha de Nossa Senhora!
O amigo, contendo-se para não rir, e ainda mantendo a voz do além-túmulo, disparou:
– Então, vá dar a bundaaaaaa!
Nesse momento, no caçador de botijas cessaram o nervosismo, a falta de ar e o formigamento nas juntas. Indignado com a falta de respeito ao caboclo macho que sempre foi, sertanejo fazedor de meninos e avô de vários netos, resolveu dar o troco, na mesma medida, àquela alma atrevida e mandou de volta:
– Vai dar tu, alma fresca!  
Moral da história: Naquela noite, a alma pegou o velho Romualdo “com a boca na botija”. 

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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