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domingo, 30 de junho de 2019

Nós éramos negrinhos queimados do sol


Ciduca Barros

Eu sou preto e estou velho. Sou velho e ainda concordo com o que disse Georges-Louis Leclerc, Conde de Buffon: 
“A idade é um deplorável preconceito aritmético”. 
Sou preto e nunca fui vítima de preconceito racial, mesmo quando eu era um moleque, na minha terra natal Caicó (RN), e os outros moleques me chamavam carinhosamente de “Neguinho Ciduca”.
Aliás, o “neguinho” jamais me incomodou, mesmo porque, naquele tempo, ainda não havia o “politicamente correto” que, para mim, muitas vezes não passa de uma monumental frescura.
Voltando ao irreversível tempo, quando eu era um moleque nos sertões do Seridó, nós (eu e os outros moleques), vivíamos “queimados do sol”.
Paradoxalmente, os moleques da nossa geração ficavam “queimados do sol” no inverno. Aliás, quanto maior o inverno mais preto nós ficávamos. Os rios com muita água e os nossos açudes sangrando, o couro dos moleques escurecia e ficava mais espesso do que a pele dos paquidermes.
Nossos banhos no Rio Seridó eram uma aventura à parte. Aqueles moleques da minha geração lembram-se muito bem de que o Rio Seridó quando “descia” com água, “de barreira a barreira”, arrastava na sua trajetória tudo que se encontrava em seu leito seco.
Naquela época, a montante do Rio Seridó não havia muitos reservatórios hídricos. Resultado: com poucas chuvas ele enchia e suas águas chegavam rapidamente à cidade, fazendo a festa da molecada. 
Soando um barulho medonho, o rio descia levando em sua enxurrada animais de vários portes como carneiros, ovelhas, bodes, cabras, porcos, jumentos, cavalos, bois, e levava também árvores, estacas e muito arame farpado – as pessoas costumavam “cavar” cacimbas no leito do rio seco e as cercavam para evitar que os animais “baldeassem” as suas águas. O saneamento ainda não havia chegado ali. 
E nós, “moleques queimados do sol” daquele tempo como víamos aquilo tudo? Com muita excitação e nenhum temor no coração. 
Não me lembro de que, em tempo algum, a rapaziada tenha esperado as primeiras águas passarem para cair dentro do Rio Seridó. Dividindo o espaço com tudo que descia no rio, nós íamos driblando “os corpos estranhos”, os remansos e os lajeiros.
Quanto aos lajeiros, que a cada ano afloravam de uma maneira diferente, nós tínhamos todos “catalogados” em nossa cabeça de vento e, como se tivéssemos um radar (ou seria um sonar?), raramente colidíamos (quando muito, uma ou outra escoriação sem muita gravidade). 
Com as contracorrentes, refluxos fluviais ou remansos (que em cada ano mudavam também de lugar) coexistíamos na maior paz. Quando surpreendido por um remanso, o moleque mergulhava e saía por baixo, sempre aproveitando a corrente e sem fazer resistência às águas. 
A maioria da juventude do meu tempo aprendeu a nadar naquele barulhento e caudaloso rio. Muitos, enquanto aprendiam a nadar, beberam das suas águas barrentas. Nadamos em águas correntes, o que é totalmente diferente de nadar numa bela piscina olímpica. Para nadar em águas correntes é preciso conhecer alguns macetes. Não podemos nadar contra a correnteza e sim, aproveitar a corrente, para seguir o curso do rio. 
Sobejamente, sabíamos dos perigos e das ciladas que aquele rio nos armava, mas nós o dominávamos, sempre com a sua ajuda, sempre sem criar resistência, sempre lhe dando a impressão de que quem mandava era ele.
No verão nós também ficávamos “fubentos”, consequências das monumentais peladas nas areias escaldantes do Rio Seridó, com direito a carimbadas nos ovos ou na “boca do estômago”, com bola de borracha capotão. “Fubentos” cabeceando uma bola suja de areia e tirando o couro da testa. “Fubentos” cabeceando um capotão e a testada acertar exatamente na costura do pito.
Hoje eu sou um preto velho, mas eu também era feliz quando era um “neguinho queimado do sol”.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

Pergunta e resposta fela da puta

-QUAL O TEMPO VERBAL NA FRASE:
"EU PROCURO UM POLÍTICO QUE
TRABALHE PARA O POVO".

-TEMPO PERDIDO.


Cuidado com as respostas



Papo sério

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Agora feda

flycandy:

Flycandy.tumblr.com: Ayisha Diaz


Queda

Carlos Pessoa

Bailar em nuvens
névoas
despencar em tênues
fios de linha

teias-de-vida

tecer em seda
em algum cotovelo do mundo
um tapete
mosaico de vazios
e abismos
um nada quase tudo
meu hábitat

de palpável:

sua tosse
     seu corpo
         queda-
             livre.

Para não confundir os gêmeos



quinta-feira, 27 de junho de 2019

Fugitivo

Um homem escapou da prisão, onde tinha estado por 15 anos. 
Ele entrou numa casa à procura de dinheiro e armas e encontrou um casal jovem deitado na cama. 
Ele então ordena ao marido que saia da cama e o amarra em uma cadeira. 
Em seguida, amarrou a mulher à cama, subiu para cima dela, beijou o seu pescoço, se levantou e foi para o banheiro. 
Com o criminoso ausente, o marido diz para a mulher:
– Escute, este homem deve ser um fugitivo, olhe as roupas dele. Provavelmente passou muito tempo na cadeia e não vê uma mulher há anos. Eu vi como ele beijou o seu pescoço. Se ele quiser sexo, não resista, faça tudo o que ele disser. Satisfaça as suas vontades, por mais que te dê repulsa. Ele deve ser muito perigoso, e se ficar irritado, provavelmente vai nos matar. Seja forte, minha querida. Eu te amo.
E a mulher responde:
– Ele não estava beijando o meu pescoço. Ele estava sussurrando no meu ouvido. Ele disse que é gay, que achou você um gato, e perguntou se tínhamos vaselina no banheiro. Eu disse que sim. Seja forte, querido. Eu também te amo!

Recado materno



Ainda os lençóis

DJALMA FILHO

Lençóis abaixo
Lençóis acima
Trocentas diversões
Meu traço risca teu
espaço em voz e direção
Meu corpo encurva
e te submete a mais
uma exploração...

Lençóis abaixo
Lençóis acima
Perco o diapasão
Há um afinar de
corpos pelo ouvido
Quero te ouvir sempre
em movimentos entônicos
de orgasmos

Lençóis abaixo
Lençóis acima
Caio de quatro
Percebo no ato o
penetrar manso
Estou alucinado
pelos movimentos sutis
de descobertas

Lençóis abaixo
e acima...
estou em ti...
como voraz os pés
da cama...
e a teus pés eu
declamo
harmonias loucas
perdidas e lúcidas
já sem lençóis,
sanidade
ou sensatez.

Agora feda



Gilsadas

Fui ao banco hoje e
disse que gostaria de
abrir uma conta conjunta
e me perguntaram com
quem.Eu disse:com qualquer
pessoa que tenha muito
dinheiro.
GILSON VARIEDADES


Presente

Aparelhos que emagrecem


quarta-feira, 26 de junho de 2019

Diarreias mentais - CLIII


O desquite

Com objetivo de apenas lembrar, informo que o Desquite foi substituído pela Separação Judicial, através da Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio). Desquite era uma forma de separação do casal e de seus respectivos bens materiais, sem romper o vínculo conjugal, o que impedia novos casamentos.
O termo Desquite faz lembrar o rompimento conjugal do passado, época em que o casamento era perpétuo e indissolúvel.
Esta história é tão antiga que ainda é do tempo de Desquite, ou seja, data de antes de 1977, ano em que foi abolido.
Aquele advogado vinha atravessando uma fase financeiramente difícil. Poucos clientes e, consequentemente, poucas causas que refletiam, negativamente, em sua conta bancária.
Ele era dado a fazer versos e, com poucas audiências para participar, matava seu ocioso tempo fazendo poesias.
Até que, uma ensolarada manhã, entrou um casal em seu escritório buscando os seus préstimos profissionais. Ele, naturalmente, já ficou alegre, sentindo que iria entrar alguns trocados em seu combalido caixa. 
Depois das devidas apresentações, o causídico perguntou:
– Qual é o problema de vocês?
– Queremos nos desquitar, doutor! – foi a resposta uníssona do casal. 
Já com a sua máquina de datilografia (Olivetti?) aberta e pensando nos altos valores, disse:
–  Então, vamos fazer a relação dos bens do casal!
Tomou um fôlego e continuou:
– O que vocês possuem? Casas, fazendas, gado, me informe todos o patrimônio do casal.
– Eu não possuo nada! – disse a mulher.
– Eu também não tenho porra nenhuma! – disse o cidadão.
Pensem na frustração do advogado. Intimamente, ficou decepcionado e pensou com os seus botões: 
“Eu tô fudido e ainda me aparece um casal mais fudido do que eu, sem bens e querendo um desquite! Que porra!”
Daí, se recompôs, ajeitou a gravata, e acionando a sua veia poética decretou para o casal, em voz clara e alta:

“Esta é uma questão muito tola
Aqui mesmo eu lhes desquito
Você fica com a sua rola
E ela fica com o seu priquito”.

Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

Sentidos

Eugênia Tabosa

Meus dedos
lentos
percorrendo
a medo
teu corpo
aberto
oferto.

Meus dedos
surpresos
soltando
o calor
o cheiro
de teu corpo
descoberto.

Meus dedos
olhos
trazendo
imagens
mensagens
ao meu corpo
trémulo.



Esqueci
   teu nome
     teu rosto
       o quando
         e o porquê
Só existes
em meus dedos.