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sexta-feira, 1 de março de 2019

O porteiro do puteiro

MACIEL DE LIMA 

          Consta-se que embrenhado nos cafundós onde o Judas perdeu as botas, num lugar de difícil aceso e  retirado a dois dias de mula do centro comercial, num vale margeado por altas montanhas, num lugar de difícil acesso, existia um pequeno povoado, de moradores muito pobre e humildes, lugar esquecido e de pouco interesse dos políticos e politiqueiros e cuja única fama que referenciava  aquele lugarejo, mais o denegria do que o exaltava, era a existência de um prostíbulo que recebia homens de toda a região que para la rumavam para noitadas de orgias.
Foi neste ambiente hostil a dignidade humana que nasceu um menino viçoso e logo após o nascimento a mãe veio a falecer deixando órfão o rebento que foi adotado por compaixão pelas prostitutas da casa, cresceu e, fato é que, criado neste fim de mundo e em ambiente tão adverso, as mães de criação, apesar do carinho dispensado ao menino, este não pode, como as demais crianças do lugarejo, freqüentar uma escola assim, não aprendeu a ler nem escrever, já rapas formado  não aprendeu outra atividade ou profissão senão servir de guarda  na portaria da pequena casa de diversão..
          Com o passar do tempos coisas foram se modernizando e apesar da distancia do centro econômico e cultural, praticamente isolados do mundo, a casa chamou atenção de investidores e certo dia, entrou como gerente um jovem cheio de idéias novas, criativo empreendedor, que decidiu modernizar o estabelecimento. Assim  fez mudanças radicais e chamou os funcionários incutindo neles novas idéias, modernizando o estabelecimento e o guarda recebeu a incumbência de, alem da função, apresentar um relatório semanal, registrando a quantidade de pessoas que adentraram no estabelecimento bem como seus comentários, reclamações e sugestões para melhoria da casa, ele sentiu orgulhoso de sua existência. Agradecido porem, informou ao gerente que muito honraria prestar tal serviço, se na fosse um detalhe: não sabia ler nem escrever.
O gerente olhando para aquele homem de meia idade, parecendo não acreditar no que ouviu, sem o menor sentimento de solidariedade, o despediu alegando que assim sendo não serviria para os seus propósitos.
          Ao ouvir o rapaz sentir faltar o chão aos seus pés, pois se sentia quase como dono do estabelecimento e jamais imaginava algum dia deixar o oficio, ainda argumentou com o patrão que cresceu naquela casa e foi ali que aprendeu com esmero e retidão a função de guarda, porem foi tudo em vão, o gerente manteve a decisão simplesmente informado que pagaria todos os direitos trabalhistas, porem nada mais poderia fazer.
          Como se o mundo tivesse desmoronado em sua cabeça, uma só pergunta latejava em sua mente: que fazer agora? Triste e desanimado, começou lembrar-se dos serviços extras prestados no prostíbulo este tempo todo, veio em sua mente que lá, quando quebrava alguma cadeira ou mesa, era ele quem arrumava, com cuidado e carinho e eis uma luz no fim do escuro túnel de sua vida:  Consertar utensílios de madeira poderia ser uma boa ocupação ate conseguir um novo emprego.
          De volta a casa, verificou que contava apenas com alguns pregos enferrujados e um alicate mal conservado, porem com o dinheiro da indenização poderia comprar uma caixa de ferramenta completa, e assim o fez, o dia seguinte foi a cidade mais próxima pois no lugarejo não tinha casa de ferragens, e comprou as ferramentas que julgou necessário para a nova atividade: consertador de moveis.
          Ao regressar orgulhoso com sua caixa de ferramenta, logo ao raiar do dia um vizinho bateu a sua porta pedindo emprestado um martelo, ele porem tentou justificar que precisaria da ferramenta para trabalhar já que havia perdido o emprego de porteiro mas nem teve tempo para apresentar sua angustia, apressado o vizinho parecia muito necessitado e como prometerá devolver a ferramenta no outro dia bem cedinho, acabou cedendo e emprestou o martelo.
          No dia seguinte, de manhãzinha bateu a porta como prometido porem não para devolver a ferramenta como combinado, mas como gostou do martelo e como não havia acabado o serviço, sugeriu comprar-lo. O proprietário a principio recusou a venda porem diante da insistência do vizinho que ainda lhe prometera pagar alem dos valor do martelo, os dias de ida e volta para comprar outro martelo, o  homem matutou e isto lhe daria trabalho por mais dois dias e aceitou a proposta. Voltou a montar na mula e viajou, de volta ao lugarejo, outro vizinho o esperava a porta e foi logo dizendo
          - Olá vizinho. Você vendeu um martelo ao nosso amigo. Eu necessito de algumas ferramentas, estou disposto a pagar seus dias de viagem, mais um pequeno lucro, para que você as compre para mim, pois não disponho de tempo. O que lhe parece?
          O antigo porteiro abriu a sua caixa de ferramentas e seu vizinho escolheu um alicate, uma chave de fenda, um martelo e uma talhadeira. Pagou e foi embora. O homem guardou as palavras “não disponho de tempo para viajar e fazer compras”soaram como vozes de anjos em sua mente, pois, se isto fosse certo, muita gente poderia necessitar que ele viajasse para trazer ferramentas, assim na viagem seguinte, arriscou um pouco mais de dinheiro, trazendo mais ferramentas do que as tinha vendido, assim poderia economizar algum tempo em viagens.
          A notícia espalhou pela região e muitos, querendo economizar viagens, vieram ter com ele, fazendo suas encomendas... Agora, como vendedor de ferramentas, uma vez por semana viajava e trazia o que precisavam seus clientes. Com o tempo, alugou um galpão para estocar as ferramentas, alguns meses depois, comprou uma vitrine e um balcão, transformando o galpão na primeira loja de ferragens do novo povoado.
          Todos estavam contentes, já não precisavam viajar, compravam dele. Com a construção de uma estrada de rodagem interligando o promissor povoado a cidade grande, ele também não precisava mais viajar, os fabricantes enviavam seus pedidos, afinal ele era um bom cliente. Um dia ele se lembrou de um amigo seu que era torneiro e ferreiro e pensou que este poderia fabricar as cabeças dos martelos. E logo, porque não, as chaves de fendas, os alicates, as talhadeiras, etc. Depois foram os pregos, os parafusos... Em poucos anos, o nosso homem se transformou, com seu trabalho, em um rico e próspero fabricante de ferramentas estabelecido e sua terra natal.
          Certo dia, preocupado com a melhoria das condições de vida dos seus conterrâneos, resolveu doar uma escola a cidade. Na inauguração, o prefeito que não conhecia sua historia, ao entregar as chaves da cidade, num gesto de gratidão e reconhecimento, o abraçou-o  e pediu que lhe concedesse a honra de colocar sua assinatura na primeira pagina do livro de atas desta escola
          Neste instante, o silencio tomou conta da multidão que compareceu para a inauguração de tão importante obra e diante de tal pedido, parte do passado veio a tona porem serenamente o homem disse:
          - A honra seria minha, senhor prefeito. Seria a coisa que mais  me daria prazer, assinar o Livro de atas de uma escola e o faria com muito orgulho se não fosse um detalhe: eu não sei ler nem escrever.
Perplexo, o prefeito disse sem acreditar.
          - O Senhor?!?! O Senhor construiu um império industrial sem saber ler  nem escrever, estou abismado. O que teria sido do senhor se soubesse ler e escrever?
Com muita calma respondeu o rico e bem sucedido empresário:


          - Ah! Isso eu posso responder!.  Se eu soubesse ler e escrever hoje ainda seria o Porteiro do Puteiro!!!

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