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domingo, 7 de junho de 2020

O boi de serviço

Ciduca Barros

Esta historieta aconteceu quando nós trabalhávamos na Carteira Agrícola da agência do Banco do Brasil, na cidade de Currais Novos (RN), lá no sertão do nosso querido Seridó.
Estávamos na década de 1960, em plena época da contratação de empréstimos de custeio agrícola. 
Com a agência carente de funcionários, e com a grande demanda de empréstimos, não nos era possível atender com a presteza e a rapidez que o período chuvoso exigia. 
Isto, naturalmente, ocasionava muitas queixas da clientela rural, uma vez que, em muitos casos, alguns eram obrigados a voltar ao Banco várias vezes. 
Achávamos até natural as reclamações dos mutuários, porém não estávamos preparados para a reação de um deles. 
Mínis e pequenos agricultores do nosso imenso Nordeste não tinham (e acredito que ainda não têm) acesso aos tratores agrícolas. 
Quem supria (e acredito que ainda supre) a falta daquelas máquinas eram os bois de serviço. 
O boi, para aqueles que não sabem, são touros castrados usados na lavoura e no transporte de carga. Portanto, são animais utilíssimos para o campo. 
E naquele ano, apesar das dificuldades operacionais, financiamos diversos bois de serviços. 
Certo dia, um mutuário disse algo para os demais no balcão, que ouvimos, de relance, mas esquecemos logo depois:
– Se o Banco do Brasil financiar o meu boi de serviço, vou prestar uma homenagem aos seus funcionários. 
Passado o inverno, decorrido o prazo da entressafra, eis que começaram a chegar os laudos das fiscalizações dos empréstimos. E um daqueles laudos, chamou a nossa atenção. 
Ali o nosso fiscal consignou: “o mutuário adquiriu um boi de serviço, mestiço de Zebu, de cor marrom, com cerca de quatro anos de idade, que atende pelo nome de Bancário”.
Qual foi o cliente? Justamente, aquele que afirmou que faria uma homenagem ao laborioso quadro funcional do Banco do Brasil. 
Aquele singelo ato de consideração nos deixou realmente sensibilizados. 
Alguém que presenciou a nossa incansável labuta, reconhecendo o nosso ingente esforço, resolveu, da sua maneira simples e humilde, nos prestar uma justa homenagem. 
Sintetizando: um boi, símbolo de força e trabalho (apesar dos chifres!), chamava-se Bancário.
Todos nós pensávamos assim até o homenageante voltar à agência para receber mais uma parcela do seu empréstimo agrícola. 
Um dos homenageados, ainda ufanado pelo justo preito, perguntou-lhe por que ele resolveu chamar o seu boi de “Bancário”.
E a sua resposta veio como uma bomba, para todos nós:
– Ele se chama Bancário porque eu nunca vi um boi tão preguiçoso!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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