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domingo, 14 de junho de 2020

Velhice

Ciduca Barros

Quando eu era jovem, e aí já vão alguns anos, comentei com um homem de idade avançada que eu temia a velhice. 
Naquela ocasião, aquele senhor disse-me algo que eu nunca esqueci: 
– Não tema, pois a natureza é muito sábia. Os anos vão decorrendo e você vai mudando seus gostos, prazeres e hábitos, adaptando-se, naturalmente, à passagem dos tempos. 
Realmente, decorridos todos esses anos, cheguei à conclusão de que o referido cidadão, do alto da sua experiência, estava correto. 
Quem é da minha geração sabe que, há alguns anos, nossos prazeres eram traduzidos por festas mundanas, bailes, bares, futebol e, por que não dizer, mulheres. 
E hoje?  
Nossas satisfações se traduzem no sucesso profissional de um filho, no casamento de uma filha, no nascimento de um neto. 
Qual é a diferença entre essas duas fases da vida? Não sei dizer. Entretanto, sinto nas satisfações de hoje, o mesmo contentamento dos prazeres de ontem. 
Infelizmente, os anos passam celeremente. 
O homem, como tudo nesta vida, vai sendo exposto à ação devastadora do tempo. Geralmente, a deterioração começa pelos olhos - o sujeito é obrigado a usar óculos. 
Na esteira disso, ou paralelamente, a barriga cresce, os cabelos embranquecem, dói aqui e dói ali. O tempo é inexorável e não perdoa ninguém.
Fiz esse longo e tedioso discurso para narrar uma história curta, mas tragicômica. 
Há pouco tempo, encontrei-me, casualmente, com um conterrâneo, homem da minha geração e também já aposentado. 
Sabedor de que ele, recentemente, havia se submetido a uma cirurgia para corrigir uma catarata, fui logo lhe perguntando sobre a operação:
– E aí, amigo, como foi a cirurgia?
– A operação e o resultado foram um sucesso, mas estou arrependido de tê-la feito – respondeu ele. 
Aquela resposta me deixou surpreso e, também, curioso:
– Arrependido?
– Exatamente! Todas as manhãs, quando vou me barbear, me bate uma puta tristeza!
E concluiu:
– Porra, como eu estou velho!
A catarata não o deixava ver as rugas que marcaram o seu rosto com o passar do tempo.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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