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domingo, 21 de abril de 2019

A malhação de Judas


Ciduca Barros

Serão coisas de velho? Os fatos, casos, causos, lendas, mitos e as tradições no nosso Seridó sempre estão voltando à minha memória. 
Ou será que jamais saíram? 
A prova inconteste disso é já escrevi vários livros com assuntos e histórias engraçadas daquela amada terra.
Sexta-feira da Paixão, aflorou mais uma lembrança do nosso passado sertanejo: a Malhação de Judas.
Malhação de Judas, ou Queima de Judas, é uma tradição de algumas comunidades católicas (dos seridoenses, inclusive) que foi introduzida no Brasil pelos portugueses (que também povoaram o Seridó antigo). 
Esta tradição é revivida no Sábado de Aleluia e simboliza a morte de Judas Iscariotes, o odiado traidor de Jesus Cristo.
Na minha vida de moleque, em Caicó, vi (e ajudei a malhar) várias queimas de Judas. 
Naquela época, as pessoas procuravam os lugares descampados da cidade para enforcar e, solenemente, malhar o traidor bíblico. 
Lembro-me bem de que havia um terreno ermo, onde posteriormente foi construída a Estação Rodoviária Manoel de Neném, e, em várias ocasiões, era ali que ficavam a forca e o jardim do Judas. 
Jardim? 
Exatamente. Não sei qual era o motivo, mas o Judas de Caicó da minha juventude tinha um jardim. 
Embaixo da forca, previamente, as pessoas punham plantas (geralmente roubadas de jardins de casas da cidade) e era ali que se chamava o Jardim do Judas. 
Daí, de madrugada, as pessoas “roubavam” (de brincadeirinha) objetos e levavam e deixavam no Jardim do Judas. 
Era uma forma, talvez, de demonstrar que Judas, além de traidor, era também um ladrão. 
Após a algazarra, os donos dos objetos “roubados”, apanhavam e, calmamente, os levavam para suas casas. 
Portanto, é assim que, simbolicamente, funciona o julgamento popular de Judas Iscariotes. 
Depois de supostamente condenado, é solenemente lido o seu testamento e a turba enraivecida, sem dó nem piedade, destrói com chutes, pauladas e pontapés (e depois queimam os pedaços), do apóstolo que, segundo a História Cristã, vendeu Jesus Cristo.
Vocês pensam que, no nosso tempo, cabia apenas ao “povão” a incumbência de malhar o Judas? 
Errado. 
Na imagem acima, do tempo de fotografia em preto-e-branco, vemos dois cidadãos da sociedade de Currais Novos numa malhação de outrora. 
Judas Iscariotes está elegantemente trajado, de paletó e gravata, fumando um charuto cubano, ladeado pelos Senhores José Mendes e Mariano Guimarães. 
O primeiro foi um honrado comerciante e o segundo, tabelião público e, posteriormente, Prefeito Municipal. Infelizmente, ambos já nos deixaram. 
Querem também saber o porquê da elegância no trajar do Judas currais-novense? 
Porque, geralmente, procuram confeccionar o Judas com a aparência da figura real que mais está em voga como um grande malfeitor. 
Como os políticos, em qualquer época, estão sempre em evidência como aqueles que cometem crimes e delitos condenáveis, estou supondo que o Judas que vemos na foto seja Getúlio Dorneles Vargas. 
Por quê a minha suposição? 
Primeiro, imagino que esta foto seja do início da década de 1950, quando o Presidente da República era ele, contando com a insatisfação da grande maioria do povo brasileiro, inclusive com a incriminação de mandante de assassinato. 
Segundo, o charuto em sua boca retrata muito bem o “homenageado”. Ele foi um compulsivo fumante de charutos. 
 Terceiro, olhem para os pés do Judas do retrato. 
Dizem que o nosso ex-presidente gostava muito de sapatos brancos. 
Aqui eu termino este texto com uma grande dúvida. Quem será que o povo lá de “nóis” escolheu para o Judas Iscariotes deste ano? 
No momento político em que nosso país vive (ou sobrevive?), são tantos os candidatos que a concorrência será acirrada. 

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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