Durante muitos anos vinha muito gado bovino do Piauí para o Seridó. E vinha “no chão”. Tempos depois passou para o lastro dos caminhões e, por último, em câmaras frigoríficas.
Existem vários relatos do tempo das tangidas e retiradas. Artéfio Bezerra da Cunha, em “memórias de um sertanejo” bem descreve as agruras enfrentadas entre idas e vindas ao Piauí e as dificuldades próprias de cada período (inverno e seca). De fato, ele começou no comércio de gado em 1916 participando das feiras de Pocinhos e Campina Grande, na Paraíba. Artéfio (*1888 +1971) foi professor, pecuarista e político em Serra Negra do Norte, terra de boas tradições do Seridó que a gente ama. Firmou matrimônio com Ambrozina Faria (*1886 – +1976) e teve numerosa prole.
Das narrativas que fez acerca de sua vida de pecuarista, Artéfio Bezerra relata uma de suas primeiras viagens ao Piauí: “assim, preparou-se e no dia 20 de fevereiro daquele ano de 22, em franco inverno, pediu uma trouxa de roupa, uma rede limpa e outras peças à sua esposa, pôs tudo na carona e disse (a esposa), mande escolher um pedaço de carne seca e assar na grelha, bem queimada; trinche com farinha de mandioca. Ponha essa comida no alforje com um queijo de coalho e uns pedaços de rapadura do Cariri, que devo partir para Campos Sales, a uma e meia da tarde.” Campos Sales fica ainda no Ceará, perto da divisa com o Piauí, local, na época, de encontro de vendedores e compradores de gado.
A empreitada de 8 dias de viagem a cavalo é feita, atualmente, em torno de 6 horas. Naquele já distante 1922 a travessia dos rios cheios era feita com coragem, à nado, dentre os quais, no gigante Piranhas. Artéfio Bezerra narra a primeira travessia feita. Algo próprio da ousadia dos sertanejos de outrora. Como ele mesmo reconhece: “a enchente era assombrosa. As águas do rio estavam por cima das barreiras, sem uma canoa por perto.” Conseguiu, por perto, dois auxiliares para lhe ajudar na travessia. Ele e a burra “Piaba” precisavam chegar à outra margem. Não foi fácil. Ele próprio reconhece que no meio da travessia “já ia cansado, em condições de não suportar mais a tarefa”. Conseguiu. A burra “Piaba” foi conduzida por um menino que “prendeu no dente a ponta do cabresto comprido, de modo que entrou n´água e saiu do outro lado”.
Artéfio Bezerra conseguiu se firmar no negócio. Como ele mesmo esclarece: “era uma viagem penosa e arriscada, porém devia compensar. Essa operação era somente uma vez por ano, porque, depois do inverno, os gados não suportariam o percurso da viagem, pela falta de pastagem mais do que isso, a água, que, depois do inverno, escasseava consideravelmente”.
Ao longo dos caminhos tradicionais, alguns cercados eram arrendados para o descanso do gado, gente especializada tocava os rebanhos e, não raro, a tangida de lá até aqui durava mais tempo que o programado, passando de meses. Pery Lamartine, ainda menino, assistiu a chegada de uma boiada na fazenda da família em Serra Negra do Norte, o que motivou o belo relato no livro “Velhas Oiticicas”: “a manada avançava lenta e constantemente, levantando uma nuvem de pó que envolvia a todos”. Chegaram no terreiro da propriedade. “As reses, movidas pelo cansaço começaram a se deitar e não demorou muito, toda manada estava ‘malhada’. (...) Os tangerinos disputavam com as reses alguma sombra onde armavam as redes de dormir e acendiam fogueiras para preparar algum alimento. Era mais uma etapa de vida daqueles homens rudes que nos últimos 60 dias só haviam convivido com a poeira dos caminhos e a manada que tangiam.”
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