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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Diarreias mentais - CLXXII


Amantes

O nosso idioma tem uma característica diferente: seus vocábulos têm muitos sinônimos. Esta multiplicidade dá margem para que o povo, às vezes, aceite apenas um deles, mormente quando aquela palavra tem uma conotação duvidosa.
É o caso do adjetivo e substantivo, ambos de dois gêneros: “amante”. No respeitado Dicionário Aurélio, a palavra amante tem vários significados: (1) que ama; (2) que gosta de alguma pessoa ou coisa; amador, apreciador; (3) apaixonado, amoroso; (4) pessoa que ama; namorado; apaixonado; (5) pessoa que tem gosto ou inclinação por outra pessoa ou coisa; amador, apreciador; (6) pessoa que tem com outra, relações extraconjugais. 
Então faço a seguinte pergunta: qual a significação que o povo brasileiro adotou, em detrimento das demais?
O casal se ama intensamente, ambos são ternamente apaixonados, a relação envolve muito carinho e ternura, mas não são amantes? Não, porque “amantes” são os amancebados. 
Duas pessoas são romanticamente ligadas, com uma constante troca de respeito e carinho, mas não são amantes? Não, porque ser “amante” é ser prostituta.  
O cara é filatelista, adora selos, é um amante de selos? Não, porque ele não mantém relações extraconjugais com os selos. 
O sujeito gosta de cachorros, tem um canil e ama seus cães, podemos chama-lo de amante de cães? Não, a não ser que ele pratique a zoofilia erótica.
Eu sou um amante de livros e não tenho com eles nenhuma relação extraconjugal. Não é complicado?
A história registra casais considerados grandes amantes, tenham sido elas legalmente casados ou não: Bonnie e Clyde, Tristão e Isolda, John Lennon e Yoko Ono, Adolf Hitler e Eva Braun, Lampião e Maria Bonita e mais uma gama deles. Ainda tivemos um cidadão inglês que renunciou ao trono e literalmente casou com uma plebeia divorciada: Edward VIII e Willis Simpson. Estes últimos, apesar de legalmente casados, foram considerados pela mídia mundial como “grandes e apaixonados amantes” e não como grandes namorados, nem grandes casados ou grandes cônjuges.  Repito: eles foram “grandes amantes”!
Para mim, que entendo muito pouco de amor, dois seres que se amam plenamente, que se curtem, que são verdadeiramente apaixonados entre si, que se respeitam, que são namorados amorosos, que dormem juntos, casados entre si ou não, queira o vulgo ou não:  são pura e simplesmente amantes! 
E tem mais: se não forem “amantes”, o relacionamento é uma m*. 

Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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