Quando eu me encontro com Zé Bola, filho do velho e inesquecível Muquêi, se é dia vira noite e se é noite vira dia.
Nós conversamos sobre as coisas da terrinha por horas e as risadas são a energia para a prosa se sustentar por si, tudo arrimado nas melhores lembranças do nosso maior patrimônio: as coisas e os fatos retirados do meio do nosso povo mais humilde em sua simplicidade mais genuína.
Outro dia tive a satisfação de encontrá-lo trocando uma lâmpada na casa de Marluce Nogueira, viúva do meu Tio Ema e sogra de Diana, essa a filha mais velha de Zé.
Nisso a prosa começou no quarto escuro, continuou nele iluminado, passou para a sala onde as mulheres conversavam, foi para a área, desceu para a calçada e subiu para terminar umas três horas depois no calçamento da Rua Cipriano Pereira.
Causo daqui, causo de lá, apresentei a obra de Jessier Quirino e lhe falei com orgulho da minha amizade apenas – mas, apenas por enquanto – virtual com Zelito Nunes (que no outro dia jogaria mais sementes de cultura, com o lançamento do quarto livro, no solo fértil das almas matutas), dois exímios contadores de estórias e histórias da gente sertaneja.
Pois bem, e de causo em causo fomos ficando ali no meio da rua, mesmo depois da impaciência das nossas mulheres ter levado ambas, cada uma para a sua casa.
Daí, que Zé Bola, também um bom contador de anedotas e um cabra de lembrança apurada, contou-me uma história pela qual desenvolvi especial carinho por se tratar de mais uma presepada de Brechió, de quem, aliás, já falei aqui em outra oportunidade.
Brechió, apenas para relembrar, sofria de certa fraqueza na cabeça, doença que lhe acometia vez em quando. Sentindo o tal “aperto no juízo”, de conta própria pedia ao delegado de Acari para passar uns dias na cadeia, de onde geralmente saía curado 20 e poucos dias depois. No entanto, algumas vezes o internamento em uma casa especializada se fazia necessário.
Em uma dessas vezes, Brechió ficou amigo do Doido da Lanterna. O sujeito era um mossoroense de boa família que, em sua loucura, virava caçador de OVNI’s apontando à noite para o céu escuro o facho de luz de uma potente lanterna.
Como era sujeito de temperamento calmo, assim como Brechió, lhe era dado o direito de ir ao pátio à noite, lugar onde pela manhã os internos tomavam banho de sol. E isso, digo, esse livre acesso, se dava até para poder acalmar a sua ansiedade em encontrar um OVNI e derrubá-lo com a luz da lanterna, da qual não se separava nunca!
Pois bem, contou-me Zé Bola de haver ouvido de Brechió a seguinte história.
Noite escura, luzes da unidade apagadas e no meio do pátio o mossoroense de lanterna em punho, porém desligada. Brechió foi se aproximando. Quando chegou ao lado do colega, ele ligou a lanterna e apontou para o céu. O facho de luz se abrindo e se perdendo na imensidão.
- Tem coragem? – perguntou a Brechió.
- De quê? De matar um bicho de outro mundo? – inquiriu o outro.
- Não. De subir aí – respondeu o mossoroense, acompanhando com um movimento do dedo indicador da outra a mão a claridade feita numa reta quase perfeita se abrindo no espaço, apontando para o facho de luz saído da lanterna e se perdendo escuridão acima.
- Ter eu tenho – respondeu Brechió – Mas você tá achando qu’eu sou doido, tá?
- Oxente – Por quê?
- Eu subo, né?, e quando eu tiver lá em cima bem tranquilo, tu vai apaga e eu, ó – falou jogando os dois braços para frente – timbungo no chão e me lasco todinho – respondeu Brechió e acrescentou saindo para o quarto onde dormia:
- Sou doido, não, mô fie.
Não era mesmo não. Mas, que tinha coragem de subir, isso tinha. E de sobra!
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