Ciduca Barros
Vocês já devem ter observado que eu gosto muito de escrever sobre fatos e casos do passado. Verdade. Eu gosto, mesmo. O que eu não gosto é de uma certa sensação frustrante que nos acomete quando falamos sobre coisas do passado que desapareceram.
Sabemos que o clima do globo terrestre mudou e, com essa mudança, piorou sensivelmente o ecossistema do mundo e, consequentemente, envolveu o nosso sertão Potiguar. O nosso Seridó, situado numa região do semiárido nordestino, abrangendo partes dos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, a reboque das mudanças climáticas mundiais, escassearam incrivelmente as suas precipitações pluviométricas. Ou teria sido, exatamente, a falta de chuvas que agravou o clima?
Não sei. Não tenho formação nessa área. Sinto apenas que, talvez, jamais voltaremos a ver (e sentir) aqueles invernos do passado, com chuvas torrenciais, feericamente iluminadas por relâmpagos e com os sons tonitruantes e ensurdecedores dos trovões.
Quem da nossa geração, naqueles monumentais invernos do passado, não entrou em pânico nas escuras e quentes noites de muita chuva, com direito a coriscos? Naquela época, a energia elétrica na cidade de Caicó, chovesse ou não, era fatalmente desligada às 22h.
Daí, naquelas noites de pesado inverno, todos encolhidos dentro de casa, ouvindo os pesados pingos da chuva batendo no telhado e os trovões riscando o céu e com a sua fantasmagórica claridade penetrando nas frechas das portas e das janelas de nossas casas.
Batia em todos nós um misto de medo e euforia. Medo daquelas tempestades noturnas e alegria porque sabíamos que, se também chovesse nas cabeceiras, o Rio Seridó desceria com a sua água barrenta para fazer a nossa festa nos monumentais banhos
E com esse pensamento na cabeça, encolhidos em nossas camas, agarrados ao travesseiro, ouvindo a nossa mãe advertindo “ninguém coloque o pé no chão para não atrair os raios”, adormecíamos num sono agitado em consequência da ansiedade que o inverno nos proporcionava.
Quantas ocasiões, nas noites escuras como breu, no silêncio em que as ruas de Caicó permaneciam, ouvíamos o ronco do Rio Seridó descendo com suas primeiras águas, trazendo em suas turvas ondas tudo que encontrava em sua frente: troncos de árvores, arame farpado, estacas e animais mortos.
Nas primeiras horas do dia, ainda sem tomar o café da manhã, todos estavam em cima da ponte para admirar a voragem barulhenta do Rio Seridó com água.
Então os boatos ali se sucediam:
– Dizem que o Gargalheiras já sangrou!
– O Itans tomou muita água!
– Lá para as bandas de Jardim do Seridó, três açudes foram arrombados!
Às vezes, eu penso que a atual escassez de chuvas no semiárido é consequência do excesso de rezas e orações que os nossos antepassados faziam por ocasião daqueles invernos pesados. Na hora do aperto, com os raios cortando os céus e os trovões ribombando nos ares, muitos se apegavam com Santa Bárbara, invocada como protetora por ocasião das tempestades, raios e trovões.
A minha mãe era uma dessas pessoas. Nascida e criada nos sertões do Seridó, Dona Chiquinha sempre teve medo de raios e trovões e desbulhava um terço por ocasião das trovoadas.
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha
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