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domingo, 10 de novembro de 2019

Saudade da terrinha


Ciduca Barros

– Meu filho está trabalhando no Sul!
– Eu já morei no Sul!
– O Sul do país é que é lugar de se ganhar dinheiro!
Do Estado da Bahia para cima, a humilde gente do sertão, geograficamente, sempre chamou de Sul.
Na distante década de 1950, quando o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira iniciou a construção de Brasília, para instalar a Capital Federal, pessoas de todas as partes do Brasil correram para lá, em busca de oportunidades e de empregos.
Um caboclo do Seridó Paraibano não ficou indiferente às atrações de Brasília e declarou nas esquinas de sua cidade:
– Vou para o Sul. Vou trabalhar em Brasília!
E, boçalmente, esnobando a sua terrinha, acrescentava:
– Vou embora! E se meu espírito tiver vergonha, nunca mais olha para esta terra ingrata.
E disse mais:
– Se um dia eu voltar, que falte chão para o meu enterro!
E foi embora: partiu para Brasília. 
Sendo mais falador do que trabalhador, lá não se deu bem na dura vida de candango e, em pouco tempo, estava de volta à sua terra. 
No entanto, seus conhecidos não esqueceram suas declarações desairosas e boçais com a terrinha. 
Daí quando um deles o reencontrou andando livre, solto e falante pelas ruas da cidade, não ficou calado:
– João Bocão! Você não disse que nunca mais seus pés haveriam de pisar este chão ingrato?
– Disse sim, mas a saudade falou mais alto!
– Saudade? E você sentiu saudade de quê?
E o cara abusou da palavra saudade:
– Eu senti saudade desse calor! Eu senti saudade da comidinha daqui! Eu senti saudade da nossa vida pacata! Eu senti saudade...
E enfatizou:
– Eu senti saudade até dos paus secos!
O cara usou tanto a palavra saudade que o amigo resolveu testá-lo:
– Ó João, o que é que você entende por saudade?
E João, além de bocão, foi poético e filosófico na sua ambígua resposta:
– Saudade é a sobra de uma coisa que nunca sobrou! 

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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