Páginas

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Um bilhete pra você, Senhora!

Hilda Araújo

Santana!
Eis que é chegada a sua festa. No mesmo clima, no mesmo ritmo, nas mesmas condições, na mesma forma, “no mesmo banco ... no mesmo jardim” ...
Caicó muda um pouco a rotina do ano: Trabalhos, aulas, conversas de calçadas, de botecos, um cineminha de bang-bang, vez por outra, p’ra variar ...
Nesta época ela se enfeita, pensa-se mais em vestidos, em adornos, em hospedagem, em clubes, e as novidades, daqui ou dali surgem, como quebra da marcha comum das coisas.
Fora dos nossos muros muita coisa mudou: O homem está chegando à lua, (ou já terá chegado quando eu terminar estas linhas) tudo neste século dos espaços vai em ritmo vertiginoso ...
Ih! Senhora, há tanta coisa a nos preocupar... E tanta a nos extasiar...
Os avanços da ciência, o mundo das técnicas, as descobertas ininterruptas que enchem as manchetes dos jornais, dos rádios, das televisões ... as descobertas da psicanálise, da parapsicologia, no entanto, o homem é o mesmo de outrora: mata por aquela palha, destrói o outro, arrasta o seu irmão ao caos, sem mais aquela ...
Aonde a responsabilidade, o critério, o caráter, do homem civilizado? Então civilização só quer dizer “desintegração”, do átomo, das células, da moral, de tudo?
Um, na ânsia de enriquecer, arrasta com êle, famílias e famílias, pondo-as na miséria. Aonde o seu coração, também de Pai de Família, vendo o seu irmão a chorar tôda a sua economia, de muitos anos, perdida ...
Outro, em corrida louca, mata uma família inteirinha ... mocinhas, crianças, com um horizonte amplo pela frente, tantos sonhos, tantos planos dos pais, uma existência que se inicia, arrasada numa fração de segundo ...
E os que matam sem armas?
Criam coisas contra o próximo, inventam na sua imaginação fabulosa ou doente, ou uma coisa ocasionando outra, estórias as mais desarticuladas, com ganas de destruir ... No entanto, ai, daquele! ... que tiver a coragem de levantar a voz contra tantos erros! Não é tanto assim! Somos tão bonzinhos! Você está generalizando! ...
E quando esta última é de alguém que não entende mesmo, que não pega num livro para ler, que tem apenas a instrução de “ouvi dizer”, como é que pode arrogar-se ao direito de dar parecer em altos conhecimentos, que os cérebros mais lúcidos da humanidade têm como problemática de infindáveis meditações, pesquisas, e noites e noites de estudos?
(Santa ignorância!)
É assim, Senhora, a nossa terrinha “querida”, dizem todos, mas é mesmo ao pó da terra que querem bem, porque o “amai-vos uns aos outros” está muito longe e difícil de chegar até nós.
É assim a nossa província, Senhora, são assim os nossos irmãos, há muita coisa certa que se esbraveja pelas ruas que está errado, e muita coisa errada que se ulula que está certo ...
Perdoa-nos, Senhora, “porque (não?) sabem o que fazem ...”
Um abraço para você.
*Hilda, 1969*

P.S.
Talvez não fôsse esta a hora de dizer-lhe isto, Senhora Santana! Na sua festa deveríamos falar de flôres, música, poesia... Mas, só daqui a um ano teria eu outra oportunidade de falar assim, pertinho, de você...
E as coisas andam tão velozes...

Hilda Araújo, poetisa, devota de Sant'Ana, falecida há uma semana. Texto originalmente escrito em 1969.
(Pesquisa e transcrição de Padre Gleiber Dantas de Melo)


Nenhum comentário:

Postar um comentário