Hilda Araújo: 1923 - 2017 |
Deixo que a saudade fale. Ontem, à boca da noite, o médico Oberdan Damásio me comunica que ela havia falecido. É ao entardecer que o mistério da vida se adensa; baixa sobre o mundo uma penumbra que desafia o medo dos viventes e incita-nos a confiar na rota das estrelas. É hora de partir, não de dormir.
A julgar pelo horário da notícia, ela desapareceu pelas estradas do mundo rumo ao céu, como mergulha no infinito o toque das Ave-Marias, rezadas pelos sinos da Catedral.
Em mim, uma sangria de recordações.
Outra vez menino, estou em sua casa, numa manhã de domingo, escutando seu primeiro carão.
Era a educadora que falava. (Por certo, eu aprendi.)
Depois, foi a tia que me ensinou o que era verso, rima, métrica, cadência, que ela aprendeu do seu adorado professor Walfredo, por quem se culpava de não lhe ter sido mais agradecida e usufruído mais daquela presença que ela considerava completa; arrependia-se de não ter votado nele em todas as campanhas, a não ser na última, a despeito da vontade de seu pai Odilon.
Quando lá eu estava, depois de rezar com padre Antenor, descia e estava com ela e tia Iracema, para escutá-las.
Iracema já não pintava, lamentavelmente; não fossem outros trabalhos de arte – em tudo era exímia! – teriam sido tristes os seus dias. Ambas, professoras.
Hilda se arriscava na pintura, mas desenhava bem mesmo com as palavras.
Fez sua poesia como quem fazia, no Seridó, as Cercas de Pedra, como batizou seu unigênito filho.
Mais com a televisão que com o rádio, acompanhava o mundo todo.
Opinião e inspiração surgiam a um só tempo e juntas morriam: deixava para escrever depois e não escrevia.
Decerto, sentia que quando quisesse, as letras fluiriam.
Penso que quis menos do que deveria! Privou-nos de muitas traduções preciosas da metafísica humana.
Também conheci Iraci, mas não era solteira esta irmã do nosso pároco Antenor, tio Nonô de meio mundo de gente, padrinho meu, de Fernandinho e de tantos gerados por sua paternidade de espírito.
As derradeiras palavras da escritora Hilda Araújo ficaram no caderno de uma enfermidade.
Esta prosa ninguém a conheceu profundamente.
Este segredo levou consigo, sem revelar completamente a inquietação de sua inteligência e a veracidade de sua alma, que, inegavelmente, transparecia em seu rosto.
Com tanta lucidez, sobravam-lhe perguntas.
De fato, a filosofia pensa e a poesia escreve.
O rigor de tantas vezes da contadora escondia uma ternura de sempre.
Nem sempre lhe era fácil conjugá-los e essa foi a meta mais difícil para a paz que sempre buscou.
@gleiberdantas – Florânia, 24 de julho de 2017
Gleiber Dantas é padre, potiguar do Seridó e, às vezes, escreve aqui no Bar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário