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domingo, 29 de setembro de 2019

Mané Vintém


Ciduca Barros

Em 2012, no livro MINHA GENTE ENGRAÇADA DO SERIDÓ, falei sobre esse personagem de Caicó de outrora. 
A título de ilustração, transcrevo abaixo o que escrevi naquela ocasião:
Ele é mais uma daquelas figuras que habitam remotamente as lembranças dos que foram garotos nas ruas de Caicó na década de 1950. Aprendeu com seu pai a fabricar malas de couro. Era um bom carpinteiro e viveu disso durante muitos anos. 
Não sabemos em qual curva da sua estrada da vida ele se desviou. Quando eu o conheci ele vivia de fazer biscates. Assim como outros da sua estirpe, vivia no entorno do Mercado Público Municipal, pois era ali que as pessoas contratavam os seus serviços e era ali também onde ele comumente “enchia a cara”. Passou a viver embriagado.
Hoje, passados todos esses anos, lembro-me bem de que Mané Vintém teve, como se diz lá na terrinha, “certo estudo”. Ele não era analfabeto e falava corretamente. 
Certa feita, repentinamente, apareceu um gato, saído não se sabe donde, perseguido por um cachorro de rua. O felino pulou abruptamente “nos peitos” dele, ficando ali empoleirado (e eriçado). 
Depois do susto inicial, Mané Vintém puxou o gato que estava com as unhas encravadas em seu corpo, deixando lá um rastro de sangue, segurou-o pelo rabo com uma das mãos e com um dedo em riste o alertou didaticamente:  
– Meu amigo, você acabou de arranjar uma “malquerença”!
Aliás, era uma das suas características quando estava embriagado (e como bebia): pronunciar palavras consideradas difíceis para os seus pares e sem nenhum sentido no contexto da frase.
 Lembro-me bem de certa ocasião que o vi (e ouvi) num dos seus discursos etílicos: 
– Hoje eu estou irredutível! Parece que tudo está excêntrico.
 E disse mais: 
– As pessoas de Caicó são peremptórias. 
Então parou ao som de “peremptórias” e fez um comentário esdrúxulo (ele também gostava deste vocábulo):
 – Esta palavra veio de tão de dentro que saiu fedendo a merda! 
Posteriormente, fiquei ciente de mais uma das suas hilariantes histórias e se faz mister narrá-la.  
Contam que, certa noite, após passar o dia bebendo, sem poder andar, ele abraçou-se a um poste, num verdadeiro dilema: “se soltar o poste, eu caio”. 
O delegado de Caicó, numa ronda rotineira, passou e viu aquela arrumação. Foi até onde ele estava e o aconselhou:
– Mané Vintém! Solte esse poste e vá pra casa, homem!
Ele, respeitoso como sempre, ouviu a sugestão/ordem da autoridade policial, mas, sem poder dar um passo sequer, continuou agarrado ao poste. Vou repetir: se ele soltasse o poste, cairia e, se caísse, não conseguiria se levantar.
Momentos depois, a ronda policial passou novamente e Mané Vintém continuava no mesmo lugar, amorosamente, agarrado ao poste. O senhor delegado, mais uma vez, foi lá e, mais uma vez, o aconselhou com uma pitada de ameaça:
– Mané Vintém! Você ainda está no mesmo lugar? Vá pra casa, rapaz! Se você continuar agarrado com esse poste, eu sou obrigado a levá-lo para a prisão.
Daí ele resolveu fazer uma pergunta que sintetizou a sua crítica situação:
– Seu delegado! Onde tem uma prisão pior do que esse poste?

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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