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domingo, 15 de setembro de 2019

O moribundo


Ciduca Barros

Os seridoenses são muito solidários, mormente aquelas pessoas de épocas mais antigas. 
Hoje, em todos os lugares, há hospitais devidamente equipados para monitorar pessoas em estado terminal. 
Antigamente, lá em nosso Seridó, os moribundos eram cuidados por seus parentes e amigos.
Por uma característica baseada nos princípios cristãos, nosso povo tem o caridoso costume de nunca deixar o agonizante sozinho, mesmo durante a noite, “faça sol ou faça chuva”, como dizia a finada minha avó. 
As altas horas da noite e a madrugada são os piores momentos para se “pastorar” um moribundo. 
Lá em “nóis”, nossos conterrâneos, sabedores dessa dificuldade, estabelecem turnos de vigília, que eles chamam de “fazer quarto”.
Num passado bastante remoto, um cidadão de idade avançada jazia em seu leito de morte há bastante tempo. 
Seus familiares e amigos, sempre ali ao seu lado esperando apenas o suspiro final, já estavam exaustos de tanto “fazer quarto”.
Naquela madrugada, o turno era de um compadre do doente, cidadão de bem, mas chegado a umas carraspanas. 
E naquele dia, ele esteve no bar até a hora de começar o seu plantão. 
Necessário dizer que, lá no bar, ele tomou uma garrafa de cachaça com os mais variados tira-gostos (buchada, panelada, ovos cozidos, etc.).
Madrugada tranquila e lá estavam os dois. 
O moribundo quietinho e arfante na sua cama, e o seu compadre cochilando e curtindo a sua bebedeira.
E o pior aconteceu? O quê? O doente morreu?
Não, o compadre que “fazia quarto” soltou um peido. 
Pense no fedor da sola de um cara que passou o dia bebendo! 
As emanações daquela bufa foram tão pútridas que o moribundo abriu os olhos.  
Não foi apenas os olhos que o doente abriu. 
Abriu também a boca e conseguiu dizer:  
– Meu Deus! Acabaram de me matar de uma vez!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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