Poderia ter sido pior

Ciduca Barros

Seu Cornélio tinha, lá na sua terra, uma bodega muito sortida. Ele era um cidadão tranquilo e não dava bolas para o que diziam da sua mulher. 

Dona Raimunda, que era bonita de cara e boa de tudo, era a mulher de Cornélio. Ela era uma mulher bonitona, boazuda e que levava a vida como bem entendia. Às vezes, saía de casa pela manhã e chegava à noite, já jantada (ou seria “já comida”?).  A cidade inteira falava mal de D. Raimunda. 

Seu Cornélio, com aquela pacatez que Deus lhe deu, não reclamava de nada. Tudo que vinham lhe contar, inclusive sobre a vida desregrada de D. Raimunda, o casto Cornélio fazia sempre o mesmo comentário:

– Poderia ter sido pior!

Alguém chegou na sua bodega e, afobadamente, contou:

– Cornélio! O Presidente Getúlio Vargas acabou de se suicidar!

Ele, sem mover um único músculo, falou:

– Poderia ter sido pior!

Comentaram que um avião, com mais de 100 passageiros, caiu e não houve nenhum sobrevivente. O que Cornélio falou?

– Poderia ter sido pior!

Portanto, o calmo Cornélio, além de, presumivelmente, corno, era um otimista juramentado e sempre com a mesma frase em seus lábios:

– Poderia ter sido pior!

Numa cidade vizinha, aconteceu um crime passional. Um sujeito, ao encontrar a sua esposa em adultério com um compadre, atirou em cada um deles e depois suicidou-se. 

Um freguês da bodega de Cornélio foi fazer umas compras e, na ocasião, perguntou:

– Cornélio! Você soube o que aconteceu aqui na cidade vizinha?

E, dramaticamente, contou:

– Uma tragédia! Um homem pegou a mulher dele com outro na cama da sua própria casa, matou os dois e se matou.

Adivinhem o que Cornélio comentou? 

Exatamente:

– Poderia ter sido pior!

O contador da história, mesmo sabendo que ele sempre dizia a mesma frase, abismado perguntou:

– Pior? Cornélio! O que poderia ter sido pior do que isso?

E do alto da sua placidez, mesclada com o seu conformismo, seu Cornélio respondeu:

– Exatamente! Porque se tivesse sido aqui na nossa cidade, anteontem, eu que estaria morto!

E desfechou: 

– Poderia ter sido pior!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha