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domingo, 16 de junho de 2019

Os caicoenses perderam o cetro e a coroa


Ciduca Barros

Há algum tempo, eu escrevi um texto intitulado “Por que o caicoense fala tão alto?”, que, posteriormente, constituiu um capítulo do meu livro Seridó – Uma Nação Divertida. Como alguns se lembram, ali eu defendia a tese de que a culpada por nosso alto timbre de voz seria a nossa abençoada Festa de Sant'Ana.
Por quê?
Anualmente, são sete dias de intensas atividades. Para nossa cidade afluem conterrâneos de todos os cantos do Brasil (e alguns até do Exterior). Bailes, festejos de rua, vários parques de diversões em atividade e uma balbúrdia extrema obrigam as pessoas a aumentarem, em alguns decibéis, o tom das suas vozes a fim de se comunicarem inteligivelmente.  
A festa termina e o caicoense não consegue mais abaixar o tom da voz até a próxima Festa de Sant'Ana. Esta é a minha tese. Certo ou errado, o que quero dizer aqui, como todos sabem, é que falamos excessivamente alto.
Estou voltando ao tema porque venho observando que, atualmente, em Natal, em todos os ambientes sociais as pessoas vêm exagerando com o barulho que provocam. Nos restaurantes e shoppings, nas padarias e até nas ruas as pessoas falam alto, gritam, berram, dão sonoras gargalhadas e, como um novo complicador falam gritando em seus celulares e ainda ouvem, a todo volume, seus recados de vídeos. 
Observamos este perturbador exagero sonoro até em velórios – tristes eventos que estão constantemente em minha existência de idoso.
A propósito, o grande Gilberto Freyre (1900 - 1987), escreveu um artigo intitulado “Do horrível mau hábito de falar gritando”, que foi publicado no Diário de Pernambuco, em 26 de fevereiro de 1926, onde ele dizia:
“Por que gritamos tanto ao falar, os brasileiros? Gritamos horrivelmente. O brasileiro quase não possui voz de conversa”.
E naquele seu pertinente artigo, o escritor pernambucano não poupou de usar o verbo “berrar” e continuou:
“O grito na conversa é muito do homem brasileiro, quando discute, mas principalmente da mulher. Dizia-me uma vez um amigo: nas discussões brasileiras vence que berra mais forte. E é verdade. No Brasil um vigoroso ou sonoro berro vale imensamente mais que um bom argumento ou uma boa ideia”.
Deduzamos que esse problema vem de longa data e que o privilégio de falar alto é do brasileiro de modo geral, tendo o caicoense como um protótipo.
Porém, no meu humilde entendimento, os caicoenses perderam o cetro e a coroa do sonoro hábito de falar alto. 
Recentemente, um amigo encontrava-se num jantar romântico com a sua amada, num conhecido e aconchegante restaurante da nossa capital. Ali, as demais pessoas ao seu redor, faziam tanto barulho que ele, sentindo-se incomodado, filmou aquele ambiente ensurdecedor e, acintosamente, postou nas redes sociais, acompanhado de ácidos comentários desabonadores.  Eu vi e ouvi o vídeo e constatei:  a barulheira era bem maior do que a balbúrdia anual que fazemos na Festa dos Ex-alunos do GDS/CDS, de Caicó.
Portanto, amados conterrâneos, cheguei à conclusão de que nós, de Caicó, Timbaúba dos Batistas e dos seus arredores, perdemos o cetro e a coroa.  
Não somos mais os “reis do mau hábito de falar gritando”.
A gente de Natal não precisou participar da Festa de Sant'Ana para aprender a gritar!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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