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domingo, 10 de fevereiro de 2019

A próstata do velho seridoense


Ciduca Barros

O homem e a sua próstata vêm criando histórias hilariantes através dos tempos. O indivíduo educado, esclarecido e moderno, com o seu medo e aversão ao urologista, cria fatos constrangedores, faça uma ideia o homem do campo que o tempo e o sol do sertão do Seridó embruteceram, arredio a tudo, inclusive a todo tipo de médicos. 
Aquele nosso conterrâneo era um homem de muitas atividades econômico-financeiras: agricultor, pecuarista, comerciante e industrial. As suas atividades produtivas não o impediam de usufruir daquilo que, para ele, a vida lhe oferecia de bom: fumar, beber, jogar e dançar de rosto colado. 
Empedernido homem dos confins do Seridó, foi amigo de meu pai (com quem tomou muitos porres), acostumado a todas as intempéries que aquela árida região oferece aos seus moradores. Por ocasião deste fato, ele já contava com mais de 80 anos.
Um belo dia foi ao banheiro e não conseguiu urinar. E agora? Ligou para um dos seus filhos, médico em São Paulo e, apreensivo, narrou o fato.  O seu filho, logicamente, como homem e como médico, sacou logo do que se tratava: “a próstata do meu pai deve estar do tamanho de uma jaca” – pensou.
E o aconselhou, imediatamente, a se deslocar até a cidade de Campina Grande, na Paraíba, onde clinicava um amigo particular seu, urologista, para quem iria ligar, incontinenti, para receber e tratar com desvelo o seu velho pai. 
E assim o fez. Aproveitou e pediu ao colega para, ensejando, dar uma “geral” na saúde de seu pai, reconhecidamente avesso a médicos. 
Assim foi feito. Logo que o velho sertanejo chegou, com a utilização de sonda uretral o médico resolveu, a princípio, o problema do velho sertanejo. Lá mesmo no hospital, mandou providenciar uma bateria de exames laboratoriais e ultrassonográficos. 
O resultado dos exames não poderia ser pior. O que dizer da saúde de um homem, octogenário, que sempre levou uma vida dissoluta, desregrada e sem controle médico? Com os resultados dos procedimentos laboratoriais nas mãos, o médico iniciou a entrevista com o calejado sertanejo.
– O senhor fuma?
– E muito, há quase 70 anos!
– Pois o senhor precisa parar, imediatamente. Comprovadamente, a nicotina e outros produtos tóxicos contidos no tabaco são lesivos ao corpo humano. O senhor toma café?
– E muito! É sempre uma xícara, antes do cigarro.
– Pare! A cafeína também é lesiva à sua saúde. O senhor bebe?
– Diariamente! A minha cachaça antes do almoço é sagrada. Nos fins de semana tomo as minhas cervejas.
– Também deve parar, imediatamente. O álcool é outra droga que está minando a sua saúde. Como é a sua alimentação?
– Doutor, eu sou um sertanejo do Seridó! A minha alimentação é: carne de sol com uma capa de gordura, corredor de boi, buchada, rabada, tapioca com manteiga líquida (manteiga de garrafa), queijo de manteiga, feijão temperado com nata e arroz com queijo, linguiça de porco e a minha sobremesa é chouriço e alfenim. No lanche da tarde como sempre um Romeu e Julieta (doce de goiaba com queijo de manteiga).
– Modere também com esse tipo de alimentação. O senhor vem se envenenando e, nitidamente, se observa isto no seu exame de sangue. 
O médico agora visivelmente impactado continuou a sua entrevista.
– E como é a sua atividade sexual?
– Doutor, eu estou separado da minha velha. Arranjei uma mulher nova e trepo todos os dias.
– Seu José, estou pasmado com a extravagância que o senhor faz com a sua saúde. Não sei como o senhor ainda está vivo. Seja mais parcimonioso com a sua vida sexual. O senhor precisa dar um alívio à sua próstata, que está enorme. Agora, entre ali naquela sala. A enfermeira vai lhe preparar e, em seguida, eu vou lhe fazer um exame tópico.
Quando o médico entrou na sala, de luvas, com o dedo em riste e lambuzado de vaselina, o sertanejo idoso e cheio de calos estava parado, no meio da sala, com as calças arriadas e a cara de “poucos amigos”, e despejou logo a sua preocupação.
– O que vai acontecer aqui, doutor?
– Terei que lhe fazer um toque retal, exame muito útil para diagnosticar algum problema maior na sua próstata. 
Aí, foi a gota d’água para o velho seridoense. Ao tempo em que foi subindo as suas calças, ele foi manifestando o seu protesto, com vigor:
– Escute aqui, Doutor! O senhor não quer que eu fume; não quer que eu beba; não quer que eu tome café; não quer que eu me alimente direito; não quer que eu trepe e ainda quer enfiar o dedo no meu cu! Foda-se com o seu tratamento!
E voltou para Caicó sem fazer aquele incômodo e necessário exame.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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