Um mar de lama - o retorno
Infelizmente, no Brasil nada muda. E quando muda é para o pior. Desgraçadamente, movidas pela inércia e pelo descaso dos poderes públicos brasileiros, as desgraças são cíclicas e, por isso, se repetem.
Nós, escritores brasileiros, também surpreendidos com o ciclo da desgraça e do descaso oficial, consultamos nossos velhos alfarrábios e constatamos que já escrevemos, anteriormente, um texto sobre uma tragédia do passado, que, pela mesmice da burrice, calha perfeitamente na desgraça de hoje.
O mundo inteiro foi surpreendido com o desastre, que vitimou tantas vidas, do rompimento de mais uma barragem de dejetos de uma grande mineração, numa repetição dolorosa do que já aconteceu num passado recente.
Em 5 de novembro de 2015, houve o rompimento da Barragem do Fundão, no centro do município mineiro de Mariana.
E o que comentar?
Absolutamente, nada, porque é a repetição de um filme de terror!
Lamentando profundamente a perdas de vidas humanas, não temos nada para comentar porque o texto escrito, naquela ocasião, pela identicidade dos casos, basta-nos transcrevermos o artigo do passado.
Leiam e comparem:
Um mar de lama
Vocês que me leem, respondam-me, sem pensar: de que trata este texto?
Se vocês, inspirados pelo sugestivo e atualizadíssimo título, responderam “Política e Políticos Brasileiros”, erraram.
Costumam dizer que Deus é brasileiro. Concordo, parcialmente. Temos a felicidade de não vermos em nosso país as intempéries causadas pela natureza à humanidade: maremotos, tempestades, terremotos, ciclones, tufões, tsunamis, nevascas, furacões e tantas outras irregularidades climáticas que tantos males causam aos povos de outras nações. Infelizmente, o homem brasileiro que, caso Deus fosse realmente brasileiro, seria seu conterrâneo, se encarrega, ele próprio, de criar as nossas vicissitudes nacionais e que também causam tantos malefícios ao povo brasileiro.
Quando eu digo que a nossa capacidade de se indignar esgotou-se, surge mais um caso, imprevisto e inusitado, para que faça transbordar o nosso sentimento de pasmo e indignação.
Todos nós fomos surpreendidos com o rompimento de duas barragens de rejeitos da Mineradora Samarco, cujos donos são a Vale do Rio Doce e BHP, esta última uma empresa anglo-australiana. Esses arrombamentos (como se diz lá meu Seridó) causaram uma enxurrada de lama que está inundando uma vasta faixa de terras em dois estados da federação brasileira (Minas Gerais e Espírito Santo), devastando áreas habitadas, provocando mortes e causando um grande impacto ambiental no ecossistema daquela região, contaminando os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, este um importante rio que abastece diversas cidades, inclusive Governador Valadares (MG) e Colatina (ES).
Agora, vejam o que foi publicado num jornal de grande circulação no país, um periódico de grande respeito e credibilidade:
“Empresas mineradoras doaram ao menos R$ 6,6 milhões às campanhas de deputados federais que tratam diretamente do novo Código de Mineração e aos parlamentares da comissão externa da Câmara criada para monitorar os efeitos do rompimento das barragens da Samarco no município de Mariana, em Minas. Nesta segunda-feira, 16, eles estarão em visita à região do desastre. As doações declaradas à Justiça Eleitoral foram feitas aos comitês dos candidatos ou aos diretórios dos partidos”.
Epa! Parece-nos que o “mar de lama” começou a desviar o seu imundo e devastador curso e, criando um afluente negativo, entrar na área política partidária, ciência que no Brasil sempre navegou no lodo e na podridão das irregularidades administrativas.
Aquele jornal continuou a sua reportagem informando:
“Na recém-criada comissão especial para discutir o Código de Mineração, 11 dos 20 parlamentares já indicados receberam R$ 3,39 milhões. O valor pode aumentar, uma vez que ainda faltam sete indicações para o colegiado. Dos 18 deputados do grupo que viajará a Mariana, 13 foram financiados por mineradoras, no total de R$ 2,5 milhões”.
E sob o título de “Campeão”, o jornal arrematou com esta joia:
“O líder de doações é justamente o relator do texto que propõe novas regras para o setor, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG). Ele recebeu R$ 1,4 milhão em doações diretas e indiretas. É também o maior beneficiário das mineradoras quando analisados os 18 deputados da comissão criada no início do ano que receberam doações do setor”.
Esta historieta não é a cara da política praticada no Brasil? Repleta de dúvidas, suspeições, interrogações, histórias mal contadas, doações de campanha e uma enxurrada de lama, deixando cada vez mais o povo brasileiro mais pobre, mais desabrigado e, agora, bebendo água contaminada?
Caramba! Parece que o meu texto também tratou da arte de governar os povos. Portanto, vocês que disseram que o assunto da crônica era “Política e Políticos Brasileiros”, acertaram na mosca.
Moral da história: Ninguém fala em lama, sem incluir nossos políticos!
Segundo texto foi escrito em novembro/2015
Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha
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