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domingo, 12 de agosto de 2018

O perfil do meu pai


Ciduca Barros

Ele recebeu na pia batismal o nome de Manoel. Sua genitora era conhecida como Dona Neném. Passaram a lhe chamar de Manoel de Dona Neném, coisas lá do Seridó. Com o tempo, o apelido, que ele carregou até o final dos seus dias, ficou reduzido para Manoel de Neném. Ele era um farrista juramentado. 
Trabalhador incansável, bom pai, honrado, de bom conceito na sociedade, mas era um farrista nas horas vagas.  Folião de muitos carnavais, alto e gordo, foi durante muitos anos o Rei Momo dos carnavais da cidade de Caicó. Suas muitas farras eram as dores de cabeça da sua paciente esposa. Ela sabia que ali havia outras mulheres e isso a irritava. 
Bom vivant é a expressão que melhor definia Manoel de Neném, meu pai. Sempre de bem com a vida, estivesse no duro batente ou numa mesa de bar. Ele tinha uma verve fácil, estava a todo o tempo fazendo ou contando piadas. Com o seu alegre estilo de vida, estava sempre rodeado de amigos, e isto sempre o levava a fazer farras homéricas.  
Dona Chiquinha, sua esposa, o marcava em cima, mas ele, emérito ardiloso, sempre encontrava uma maneira de burlar a sua vigilância. 
Era um homem de muitos amigos, constantemente convidado para apadrinhar crianças e casamentos, e tinha, consequentemente, muitos compadres e afilhados. Por ser um homem experiente e de muita vivência, era sempre procurado por amigos, colegas de profissão, parentes, aderentes, compadres e afilhados para ouvir dele um conselho ou uma sugestão. 
Os seus conselhos começavam para os de dentro de casa. Sempre zeloso com o futuro dos filhos, vigiando e cobrando, todavia, costumava avisá-los:
– Caso vocês não consigam vencer na vida, casem com moças ricas e vão ser simplesmente genros! 
E arrematava, didaticamente: 
– Genro é uma profissão tão boa, que nem imposto de renda ele paga. 
Este é o perfil do meu pai. Ele era um homem simples, que com a sua humilde profissão de caminhoneiro criou nove filhos (cinco com minha mãe e mais quatro adquiridos pelas estradas do Brasil), mas eu sempre o amei e, sabedor de que lhe devo muito, tenho por ele uma admiração e respeito que perdura até os dias de hoje, mais de 40 anos após a sua morte.
Manoel de Neném em São Paulo
Eu não poderia encerrar minha homenagem ao meu velho, no Dia dos Pais, sem contar aqui uma das suas inúmeras histórias engraçadas:
Eles estavam casados há pouco tempo e ele já estava abusando das farras. Ela, apesar de muita contemporização, já estava no limite da tolerância. Após cada farra era aquela confusão. Ela exacerbadamente nervosa e ele com aquela calma que a deixava ainda mais irritada.
Mais uma vez, chegando em casa de manhã e com os sapatos na mão. Dona Chiquinha, que já o esperava, disparou uma chuva de impropérios: “que aquilo não poderia mais continuar. Que ele estava abusando e blábláblá”. 
Ele sabendo que não tinha a mínima razão, apenas dizia:
– Chiquinha, eu a amo demais.
Isto a deixava cada vez mais colérica.
– Que ama que nada. Quem ama não deixa a mulher em casa e fica na rua até esta hora da madrugada, só Deus sabe onde e com quem.
E, como um disco enganchado, ele apenas repetia:
– Chiquinha, eu a amo demais.
Então, ela resolveu apelar:
– Fique ciente de que estou de mala pronta e, agora mesmo, vou voltar para a casa da minha mãe, donde eu nunca deveria ter saído.
E, bruscamente, entrou no quarto e já saiu dali com a mala na mão. Naquele momento, seu Manoel de Neném teve uma ideia que, para ele, resolveria todo aquele impasse.  
E perguntou a Dona Chiquinha:
– Meu amor, antes de você partir, eu posso lhe fazer o meu último pedido?
Ela, mesmo aborrecida, mas assustada com tanta resignação, pousou a mala no chão, pôs as mãos nas ancas e autorizou:
– Faça, seu farrista de uma figa!
E ele, cinicamente, desfechou:
– Chiquinha, me leve!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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