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domingo, 26 de agosto de 2018

Um corno cordato


Ciduca Barros

Ele era um homem de muito prestígio naquela região. Tinha prestígio político e grande importância porque era um homem rico. Ele era agropecuarista, comerciante e industrial. Sintetizando, o homem era ouvido pelo padre, pelo prefeito, pelo delegado e pelo juiz de direito daquela comarca.  
De repente, a cidade começou a comentar que D. Judite Falcão, sua respeitável esposa, estava lhe botando galhas. E os comentários eram sussurrados e medrosos, pois o poderio do “hómi” era grande e ninguém poderia julgar onde iria a sua ira quando o escândalo eclodisse. E quem, segundo as más línguas, seria um namorado daquela dama? Um mero balconista de uma loja da cidade. E o boato estava se espalhando rapidamente como um rastilho de pólvora. 
Naturalmente, aquela maledicência chegou aos ouvidos dos amigos, correligionários, da igreja e da comarca. Daí então um grupo de amigos resolveu intervir. Formaram uma comissão, tendo à frente o senhor vigário e o senhor prefeito, e foram falar com o “hómi”. Sob o maior sigilo se reuniram no escritório central dos seus vastos negócios.
– Puxa! Que coisa boa, meus melhores camaradas resolveram me fazer uma visita! Que honra! – disse o traído, a título de saudação.
Mandou que trouxessem água e café e, todos começaram a conversar sobre generalidades. 
No momento oportuno, o vigário, que tinha sido nomeado como “relator” da má notícia, atacou:
– Seu Ernesto, nós estamos aqui numa missão muito indigesta. Nosso assunto é muito desagradável e por demais melindroso.
O traído que era um homem acostumado com as intempéries da vida, acendeu um charuto, recostou-se na sua cadeira de executivo e disparou:
– Pessoal! Eu sou um velho de casca grossa. Já enfrentei tudo na vida.
– Mas este assunto é pessoal e familiar, seu Ernesto. É um grave problema que envolve D. Judite – rebateu o padre.
Ao ouvir o nome da esposa, o semblante do velho mudou. Trouxe sua cadeira mais para perto do birô e com a voz muito mais grave, perguntou:
– De que se trata?
Pensem como ficou tenso o clima naquela sala. Baixou aquele silêncio sepulcral que antecede uma tragédia. E com todos suando por todos os poros, o padre mandou a notícia:
– D. Judite está lhe chifrando!
Aqui vocês podem imaginar o suspense que reinou no ambiente. O suor descia em bicas no corpo de todos, inclusive no do padre que não parava de afrouxar o colarinho clerical. 
O poderoso Ernesto Falcão, voltou a afastar a cadeira, deu uma baforada no charuto e calmamente soprou a fumaça para o alto. Para os presentes, aquela cena lembrou um touro (de grandes pontas?) soltando fogo pelas ventas antes de chifrar (epa!). 
E desandou a fazer perguntas sem sentido:
– Quem é o Ricardão? Ele ganha bem? Ele tem casa? Ele tem carro?
Com todos sem entender e se entreolhando, o velho continuou: 
– Se ele for um rapaz pobre, nós temos que arrumar financeiramente a sua vida.
E jogando um balde de água fria na comissão, ele explicou:
– Eu estou doido pra me livrar daquela velha!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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