Páginas

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Forró: patrimônio cultural


Janduhi Medeiros
  
O forró é a mais gostosa tradição que o nordestino cultivou, como sabor musical e como patrimônio cultural das coisas cantadas na região. Esses ruídos eletrônicos, sem brilho, que ferem os tímpanos da paciência, não é arte e não fazem parte do orgulho de um povo divertido e lendariamente forte. Forró verdadeiro é multicor na estética e no chiado da chinela, que Ariano sempre defendeu e que ficou escrito na cancela do salão: “o forró daqui é melhor do que o seu, o sanfoneiro é muito melhor”, simbolizados nos balões espalhados pelos céus dos seus festejos. Não esses que substituem o zabumba por um bate-estaca miserável, sem qualquer vínculo com o processo histórico da música nas tradições do verso bem tocado. 
Forró, pra ser forró, tem que ter a raiz do chililique dos nossos passos, caso contrário, é plástico descartável. Queremos a vibração do forró ensaiado nos alpendres das roças; do forró exercitado nas esquinas das feiras e do forró sentimental dos lamentos sertanejos, expulsando a saudade do interior do mato, da caatinga e do roçado.
O mês de junho, em que a meninada gosta de soltar traque, com uma lata surrada em cima do explosivo, pra o som do pipoco ganhar brilho e emoção, espalhando chafurdo na vizinhança e anunciando que a maior tradição da cultura do Nordeste pede passagem para seus sanfoneiros cantarem e tocarem as mais belas músicas geradas no solo brasileiro. De origem hebraica, com mais de cinco mil anos de estrada, é verdade, mas no sertão apeou-se e ganhou o tempero do terreiro, da coragem e da valentia, nas palhoças do encanto do milho e dos desafios da luta cotidiana.
Depois dos primeiros preparativos do mês junino, pra ganhar atmosfera, vem Santo Antônio, a primeira fogueira, para desencalhar as moças que têm medo do caritó, com muita dança e música de qualidade, forjada na sabedoria de um povo perseverante. Em seguida a grande fogueira de São João, a maior festa cultural do sertão. Em todo sítio um sanfoneiro puxando seu fole pra animar a roça. 
Nas cidades interioranas, em cada esquina uma fogueira, casamentos matutos, como alegorias da animação, das danças e muita comida típica, pra lembrar a festa da colheita que os hebreus realizavam nas terras de Moisés, como pão sagrado da comunhão. A última fogueira é a de São Pedro, que também serve para anunciar o fim do período junino e lacrimejar o olhar de lembranças. Na memória ficam as músicas de Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Elino Julião e tantos outros que cantam o ritmo mais consagrado da cultura do povo mais bravo da nação.
Asa Branca nas rádios e nas difusoras espalhadas pelo Nordeste. A Triste Partida é a maior saga da dispersão social. Como é desafiadora a vida do sertanejo, ficando o aboio e o forró como elementos de acalento e de alegria, nos currais e nas sombras escassas da caatinga, pra encorajar, ainda mais, o filho da terra inóspita. Baião! Os violeiros! Os versos dependurados no barbante e o repente enfeitiçando a criação do pensamento, pelas calçadas das feiras, como semente alimentadora do forró. 
No Seridó, Elino Julião saudando Jackson, com um forró mais ritmado. Vaquejadas, xotes, e a menina sentindo que o amor chegou ao coração, enjeitando a boneca de brinquedo, querendo, agora, apenas namorar. Caruaru, Campina Grande e Caicó, anunciando outro mês junino em que a meninada gosta de soltar traque, repetindo toda a tradição nos gestos que preservam o maior patrimônio cultural do povo brasileiro.
E um afinador de fole que se chamava Januário deu uma pisa no filho que correu para a capital central. Este passou a tocar sanfona e cantar forró pelo Brasil inteiro. A música não lhe chegou pela influência exterior nem pela boçalidade do topo da pirâmide social. Chegou pela sanfona do povo. O toque que vinha do forró certeiro do interior, do arraiá gostoso do povo, porque o forró toca a cultura correta do povo do sertão. 
As rádios do Sul eram - e ainda são - obrigadas a tocar a música alienígena, o sentimento das almas que o povo não entendia, mas o filho de Januário enveredou pela trilha do forró, o forró do pai e do sertão. Forró legítimo. As festas juninas. As músicas de Luiz Gonzaga. Os mercadores nunca pensaram que o velho Lula se tornaria rei! A música de Luiz invadiu a genuína alma do povo nordestino, tornou-se eterna. Forró, a sanfona de Gonzagão, de Domiguinhos e Sivuca, símbolos da sanfona do povo, o Seridó de Elino. Forró gigante, forró de raiz. Forró do sertão nordestino, patrimônio cultural do País.
Escritor, poeta e colaborador do Bar de Ferreirinha

Nenhum comentário:

Postar um comentário