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domingo, 14 de janeiro de 2018

O austero

Ciduca Barros

Todos nós conhecemos o tipo: a cara moralista que, lá no âmago, sabemos que há algo que não bate. 
Sabe aquele sujeito que prega a moral e os bons costumes, mas que nós não confiamos? 
Nicodemos era um cidadão sério, disciplinado e disciplinador. 
Se alguém, porventura, falasse um palavrão perto dele, por menor que fosse, ele fazia uma peroração de minutos, citando Deus, a bíblia e as leis vigentes no país.  
Ele era casado e pai de três filhos, já rapazes.  
Certa feita, sua esposa contratou uma empregada doméstica, uma morena cheia de atributos físicos. 
Ou seja, como diz o vulgo, era, simplesmente, “boazuda”. 
Os filhos de Nicodemos, cheios de testosterona, ficavam ouriçados com a presença da doméstica. 
Todos os dias, no horário das refeições, enquanto a doméstica servia a comida, os jovens ficavam trocando olhares suspeitos, babando de lascívia e com gestos libidinosos. Logicamente, tudo isso não passava despercebido ao austero Nicodemos, que, invariavelmente, fazia o seu discurso de moralidade tentando conter a libido dos rapazes.  
Essa situação perdurou durante meses. 
Os moços cheios de excitação pela empregada gostosa e o rígido Nicodemos tentando conter, com palavras, aquela sanha sexual. 
Até que, um belo dia, “a casa caiu”. 
Um dos rapazes, certa madrugada, sem conseguir mais se reprimir, mandou-se para a dependência da doméstica, abriu a porta e viu aquele corpo escultural, voluptuosamente, deitado. 
Silentemente, sentou-se na cama e começou a alisá-lo, até que ouviu uma frase que o fez broxar. 
A morenaça acordou e ainda com a voz cheia de sono falou: 
– Hoje não pode, Nicodemos. Você não sabe que eu estou menstruada?
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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