Com uns sete anos, a menina atravessava tranquila a rua, segura da mão do pai, em direção ao supermercado. Cabelos compridos, sem traços marcantes, vestido e blusa simples, apenas uma criança atravessando uma rua, descansada pela mão protetora do seu primeiro amigo. O que chamou a atenção foi sua boneca. Não destas bonecas loiras, desmilinguidas, estilizadas, que os americanos disseminaram pelo mundo, com roupas, sapatos, enfeites coloridos. Capazes de tornar o tão simples ato de brincar com uma boneca, uma prova de ostentação, concorrência e “far niente”. A menina que atravessava a rua em seus trajes simples levava nas mãos uma boneca de verdade, de menina e não de prateleira. De uns trinta centímetros de altura, com membros robustos e dedinhos gordos. Com o acabamento natural de qualquer boneca que se preze. As faces coradas, os olhos risonhos e a boca semiaberta: vá que tenha fome ou sono e precise de bico? Como estamos no inverno, é lógico que sua pequena dona tenha previsto o necessário para não pegar um resfriado. Estava, pois parcialmente coberta por uma manta. Provavelmente tomada emprestada dos bisavós da boneca. Porque, se hoje as pessoas tratam seus cães de estimação como filhos, natural que eles tenham avós. Com mais direito tenha bisavós uma boneca indefesa, que só pode se defender chorando. Por outro lado se via que a bonequinha devia ser motivos de mil carinhos e acompanhante de mil sonhos de sua dona: seus cabelos já demonstravam o passar do tempo.
No andar da menina, na forma do segurar sua boneca, parecia refletir-se o mesmo cuidado que ela sentia quando sua outra mãe e bracinho estavam subordinados à mão do pai. Trazia a bonequinha deitada, com o corpo protegido contra o peito. A cabeça aparecia ao alto, mas, da cintura para baixo, a manta cobria-a inteiramente e a mãozinha da menina segurava-a como um bem precioso. Não ouvi o que a criança dizia ao pai, com a fisionomia alegre de vida feliz. Quero contar que com todos estes movimentos feministas, desemprego, baixos salários, brigas familiares, televisão possessiva, animais domésticos que fazem às vezes de filhos, nem me fixava que ainda havia bonecas no Brasil. Pensei que uma grande faxina, patrocinada pela Rede Globo e pelos pets tinham eliminado o produto, agora peça de museus. E, de repente, lá vem a menininha, feliz, com um tesouro em cada mão. Lindo.
ivar4hartmann@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário