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domingo, 18 de agosto de 2019

Minha mãe e a indigência brasileira


Ciduca Barros

Cresci vendo a minha mãe, caridosamente, dando esmolas às pessoas muito pobres que ela as chamava de indigentes.
Eu ainda era um adolescente e ouvia o comentário daqueles que já eram adultos: 
“Fulano é tão desvalido que está doente e internado na ‘indigência’ do hospital”!
Continuei crescendo e ouvindo as pessoas comentarem quando morria algum pedinte (que também era chamado de esmoler): 
“Ele foi sepultado como indigente no caixão da prefeitura”.
Isto posto, não é necessário explicar, para aqueles que não sabem, o que era um indigente, pois todos já deduziram que estamos falando das pessoas paupérrimas desta imensa nação. 
O Brasil cresceu. Os políticos dizem que o Brasil se modernizou. Os governantes dizem que foram criados milhões de empregos. Outros, mais exagerados, alardeiam que tiraram milhões de brasileiros da miséria. Outros, mais exagerados ainda, afirmam que reduziram o número daqueles que estavam “abaixo da linha da pobreza”. Alguns, mais mentirosos ainda, dizem...blá blá blá.
Parece que estou ouvindo a minha mãe, que de há muito já partiu, me perguntando:
– Meu filho, então, nossos governantes acabaram com a indigência?
E agora? O que vocês sugerem o que devo dizer a Dona Chiquinha?
– Mãe! A senhora se lembra que em 1943 foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho, largamente conhecida como CLT? Pois, sim. A CLT foi de substancial ajuda para a classe trabalhadora brasileira, protegendo os seus direitos e levando-os seguramente à aposentadoria e, consequentemente, tirando muita gente de uma futura indigência.
– E a CLT acabou definitivamente com a indigência, meu filho?
Quem me ajuda a explicar essa problemática da pobreza brasileira à minha mãe?
– Mamãe! Os mendigos não batem mais na nossa porta, por que moramos trepados em altos edifícios, mas continuam por aí pelas ruas e esquinas de todas as cidades brasileiras. Nos sinais de trânsito vemos dezenas de pessoas esmolando, inclusive crianças de colo, batendo nos vidros dos automóveis e estirando a mão naquele clássico gesto de quem diz: “Uma ajudazinha, por amor de Deus!”.
– Meu filho, por que diabos você se tornou tão reticente? Responda de uma vez por todas: as pessoas ainda morrem na indigência dos hospitais brasileiros?
E agora? Quem me socorre com esta? O que devo dizer, meu Deus!
– Mãe! Há alguns anos, o Governo do Brasil criou o SUS (Sistema Único de Saúde), objetivando diminuir as desigualdades sociais. O SUS tem um princípio que talvez responda esta sua pergunta, mãe:  “a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais”.
– Que benção, meu filho! Ninguém morre mais como indigente!
Vocês acham que eu devo contar a verdade à minha Dona Chiquinha?
Vou contar.
– Mamãe! No Brasil não chamamos mais as pessoas de indigentes? Sabe por quê, Mãe? Porque não é mais “politicamente correto” chamá-los por esse nome. O indigente do seu tempo hoje é conhecido como: excluído socialmente.
– E essas pessoas com esse nome “politicamente correto” também morrem nas indigências dos hospitais?
Eita, gente! Minha mãe agora você fez uma pergunta do ENEM, mas eu tenho que lhe contar a verdade. 
– Não, Dona Chiquinha! Muitos morrem nos corredores dos hospitais públicos!
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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