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domingo, 7 de outubro de 2018

O porre de lança-perfume


Ciduca Barros

Saudades daqueles carnavais do passado. E não podemos falar em carnavais do passado sem nos lembrar do lança-perfume. Às vezes, eu me pergunto como aspirávamos tanto lança-perfume e nunca nos viciamos.
A famosa cantora Rita Lee já o exaltou em uma das suas músicas, mas, para aqueles mais jovens, que talvez não saibam o que era, nós explicamos: lança-perfume era um produto desodorizante, com aroma de perfume, em forma de spray. O líquido, à base de cloreto de etila, era acondicionado sob pressão. Devido à combinação do gás e perfume, ao ser liberado, formava um fino jato, com efeito congelante. 
O lança-perfume era industrializado pela Rhodia, da Argentina, e foi, durante muito tempo, importado para o Brasil, até o meado da década de sessenta. Lembram-se daquela marca Rodouro, muito solicitada pelos foliões brasileiros?
Eu já escrevi, em textos anteriores, que a gente do Seridó é engraçada até na hora de partir para o além. Agora, chegou ao meu conhecimento, relatado por uma conterrânea, um fato tragicômico ocorrido com o seu pai, pouco antes dele falecer. 
O pai dela foi um honrado e probo comerciante durante muitos anos na cidade de Caicó (RN) e era bastante conhecido da sociedade local. Já estava muito doente, hospitalizado em Natal, recém-saído da UTI, contando com a assistência médica constante e o carinho e os cuidados dos seus filhos.  Ele, muito frágil, já quase não controlava os seus sentidos. 
Em virtude de problemas respiratórios teria que se submeter a uma inalação. Com a fisioterapeuta iniciando o tratamento, pediu que ele inspirasse forte.
Para incentivá-lo, a fisioterapeuta, dizia:
– Faça como o senhor tivesse cheirando uma rosa!
E o paciente, alheio, nada entendia. Depois de alguns minutos assim, a profissional de saúde pedindo e o nosso conterrâneo sem aspirar, sua filha que tudo assistia, aproximou-se da cama e resolveu intervir. Pôs o inalador no rosto do pai e disse:
– Papai! Faça como se fosse um lança-perfume! Tome um porre!
A mensagem filial chegou de uma maneira direta e rasteira. O velho pai foi buscar no mais recôndito de suas memórias os saudosos momentos de muitos porres de lança-perfume Rodouro, nos velhos carnavais de Caicó, e parece que seus frágeis pulmões se transformaram num possante fole. A inalação foi um sucesso.
Porém, a parte ainda mais engraçada vem agora.
Quando a fisioterapeuta retirou o aparelho, o frágil paciente, ainda sob o efeito do pseudo-porre de lança-perfume, desandou a cantar uma velha e quase esquecida canção carnavalesca de autoria de Mário Lago:
“Se você fosse sincera/ Oh, oh, oh, Aurora
Veja só que bom que era/ Oh, oh, oh, Aurora”.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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