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domingo, 9 de setembro de 2018

O Gordini


Ciduca Barros

Quem não se lembra do seu primeiro carro? Aquele carrinho comprado com muitas economias (naquele tempo não havia financiamento de automóveis), na maioria das vezes, o velho e fiel fusquinha?
Vocês se lembram do Gordini? Para aqueles que o esqueceram, vou tentar relembrá-los. Era um veículo pequeno, de origem francesa, distribuído no Brasil pela Willys Overland, com apenas 40 CV e um câmbio de quatro marchas. Era um carrinho bonitinho, mas muito frágil. Criaram para ele um apelido infame: Leite Glória. 
Por quê? 
Porque aquele leite tinha uma publicidade que dizia: “Se desmancha sem bater”.  
O Gordini, mesmo com quatro portas, não conseguiu emplacar (desculpem o trocadilho), pois o fusca da Volkswagen o atropelou (desculpem este outro trocadilho).
Estávamos em plena década de 1960, trabalhando na linda e acolhedora cidade de Currais Novos, lá nosso Seridó. Um nosso colega, Nysio Augusto, que Deus já levou para o seu reino, motorista recém-formado, fugindo à regra do fusquinha, comprou o seu primeiro carro – um Gordini.  
Então, certa sexta-feira, resolveu vir a Natal para um fim de semana, trazendo como carona outro colega do Banco, José Marinho Lopes, dos Lopes de Carnaúba dos Dantas, que tinha naquele dia, aqui em Natal, um compromisso inadiável às 17 horas. Terminado o expediente (que naquele tempo só ia até às 13 horas), partiram imediatamente da frente da agência. 
A título de informação é necessário que o leitor saiba que na época desta história – 1963/1965 – para quem viajava do Seridó em direção à Capital, o asfalto só começaria em Santa Cruz. 
O colega Nysio, motorista principiante em seu carro reluzente e novo, vinha, portanto, com um olho na trepidação e o outro no desempenho do Gordini, ou seja, vinha cautelosamente pela estrada afora. 
E o carona?
Este, ansiosamente, vinha com um olho no velocímetro e com o outro no relógio. Ele tinha um compromisso às 17 horas, lembram-se?
Numa região, conhecida como Serra do Doutor, o novel motorista começou a observar um problema: a alavanca do câmbio começou a esquentar. Dizem que a alavanca ficou tão quente que o colega Nysio, daí em diante, passou a trocar as marchas com um lenço na mão. 
Naquela altura, o quadro mudou. O inexperiente motorista passou a ter um olho na estrada e outra na tórrida alavanca de câmbio; e o carona mantinha um olho no relógio e o outro no ardente lenço. 
Não suportando mais, o motorista Nysio olhou para o carona José Marinho e comunicou o problema mecânico que ele já desconfiava:
– Colega, o câmbio esquentou tanto que eu já não consigo mais mudar as marchas! O que você acha?
O carona, convidado a se pronunciar, olhou para o lenço do outro (que agora fumegava), ainda mais ansioso, olhou mais uma vez para o relógio e deve ter pensado: “e o meu compromisso? ”.  Então disparou:
– Deve ser porque você vai muito devagar!
Ato contínuo, o motorista “empurrou o pé” até os pedaços das carretas da caixa de câmbio saírem pelo escapamento. 
E aquele Gordini nunca mais foi o mesmo. Acabou-se vazando óleo até pelas placas.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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