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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Jargões alheios

Heraldo Palmeira

Tenho andado nas empresas e me assustado com o que encontro para interlocução. Pessoas esforçadas, estressadas. Boa parte com formação sofrível, sem traquejo e projeto profissional de longo prazo – parece pouco provável que tenham algum para a vida pessoal. Quase sempre desanimadas, sem referências, provocando perguntas silenciosas e diretas: para que tudo isso? Por que vivem assim, conformadas em não ter horizontes? Aonde pensam que vão chegar? Como sobrevivem sem resultados expressivos e presas a uma mesmice enlouquecedora?

Ficaram viciadas em balbuciar jargões de línguas estrangeiras – manifestação humilhada de gente colonizada –, copiar modelos que não nos servem, esconder-se atrás de diretrizes mal concebidas e produzir relatórios de pouco sentido. Estão sempre ocupadas em reuniões intermináveis e rotinas extenuantes. E usar a palavra “crise” para explicar mal resultados que se repetem ano após ano pela falta de inteligência, empenho, compromisso...

Em boa dose, são vítimas de executivos capengas que elaboram tais diretrizes e determinam dados para compor relatórios, escondidos atrás de compadrios, plaquinhas solenes, cargos pomposos e salas inacessíveis.

Os departamentos de comunicação e marketing, que deveriam oxigenar o ambiente, respiram mal porque estão lotados de gente muito jovem sem qualquer vivência mais profunda. Uma gente metida a tecnológica, deslumbrada, digna de dó. Incapaz de elaborar algo relevante, gerar algum diferencial para a empresa. Ao fim e ao cabo, tudo roda no limite curto entre cargos e pose.

Os da comunicação merecem poucas letras, exatamente porque conhecem poucas letras, sequer aprenderam a escrever e a falar o próprio idioma. Não conseguem tangenciar a ciência que se meteram a estudar e a praticar com as necessidades cotidianas. Não desconfiam que a comunicação é ferramenta poderosíssima para modificar cenários, impulsionar negócios e mudar a vida das pessoas.

No marketing, encontramos pessoas desprovidas de capacidade para fazer uma análise conjuntural a respeito de qualquer coisa, por mais simples que seja. De conhecer de fato o mercado em que atuam, os anseios reais dos clientes e daí extrair estratégias de ação capazes de causar impacto, ampliar resultados, gerar fidelização e diferenciar a empresa da concorrência.

Apesar do baixo nível de competência, estão encarregadas de decidir sobre passos fundamentais para o negócio; de escolher que caminho seguir para encontrar o futuro onde suas companhias buscarão garantir a sobrevivência.

Farão isso sem ter desenvolvido instrumental intelectual adequado e sem conhecer a fundo esse velho mercado que evoluiu num passo a passo monopolista, patrimonialista, coronelista, paternalista, desleal, antropofágico, homicida... Até que, no ambiente atual de crise e desespero, tornou-se autofágico. E ninguém descarta seu potencial suicida.

Estão empoderadas – palavrinha ordinária que entrou na moda nos ambientes corporativos –, apesar de completamente perdidas na escuridão da ignorância, incapazes de enfrentar a autofagia reinante dentro e fora das corporações. Terminam copiando os concorrentes nas “ações de marketing”, jogando milhões no lixo porque não têm conhecimento, discernimento e capacidade de inovar, de correr riscos, de fugir da mesmice. Uma clara comprovação de que os inúmeros diplomas obtidos não passam de papéis voláteis, não são sinônimos de criatividade, não desenvolvem talento.

Perderam a capacidade de ouvir, de tentar entender os desejos de quem querem alcançar (o tal público-alvo que deveria, muito mais adequadamente, ser chamado de público de interesse) e de planejar o que fazer a partir daí. Quase sempre, conhecem apenas superficialmente os produtos e serviços que pretendem divulgar. Quase nunca têm noção da importância do ambiente, do contexto na conquista de espaços num mercado cada vez mais segmentado, competitivo e exigindo customizações.

Para um mercado sem lógica, estrangulado pela falta de sabedoria, cabe uma frase – que um amigo não cansa de repetir – do velho e querido doutor Spock, da série Jornada nas Estrelas: “A lógica é o começo da sabedoria, não fim”.

Em tempo: esse marketing rasteiro transformou série (de televisão) em franquia de entretenimento. Nada mais vazio. Como esse conceito tolo.

É doloroso testemunhar a incompetência transformar coisas simples em charadas infernais, e ser denunciada por semblantes desfigurados pela combinação letal de ignorância e arrogância. Essa é a cara desses especialistas em jargões alheios, incapazes de criar qualquer coisa genuína, de construir alguma identidade. Atores e vítimas de uma sociedade cada vez mais superficial, triste, encurralada. Com doutorado em estupidez!

Documentarista, produtor cultural e colaborador do Bar de Ferreirinha

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