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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Diarreias mentais - CII


O boateiro

Quem acompanhou a política do Brasil, na década de 1960, tem conhecimento dos dias terríveis que este país viveu: o Golpe Militar de 64, movimentos clandestinos, prisões em massa, terrorismo da esquerda, porões escuros da direita, desrespeito aos direitos individuais, Congresso Nacional fechado, dirigentes biônicos, AI-5 e o escambau. 
Foram os tristes e duros anos de chumbo. 
Em todos os recantos do Brasil, da pequena vila do interior às metrópoles, ninguém teve tranquilidade durante vários anos.
Era um verdadeiro caos, com pessoas dedurando pessoas, acusando-as de comunistas, muitas delas sem sequer saberem o que significava comunismo.
Severino Boateiro parecia não ligar às prisões políticas que estavam ocorrendo em todo o Brasil. 
Ele era daquele tipo de “papudinho”, frequentador assíduo dos bares de sua cidade. 
Até aí tudo bem se ele não tivesse se metido a “malhar” militares, que era um quase suicídio naquela nefasta época. 


Eu não acredito nesse bando de milicos que está bagunçando o Brasil – dizia ele para todos ouvirem.
Frases como esta saiam a toda hora e em qualquer bar da boca do irresponsável Severino Boateiro. 
Ele falou tão mal das forças armadas brasileiras, que aquela onda chegou aos ouvidos dos “hómis”. E ele foi preso. 
No entanto, o coronel do Exército responsável por seu encarceramento logo verificou que ele era inofensivo à causa. Entretanto, antes de soltá-lo resolveu pregar um susto em Severino: um pseudo-fuzilamento. 
Com o cenário do fuzilamento de mentirinha armado, com soldados devidamente posicionados, fuzis com balas de festim, e o desditado Boateiro à frente do pelotão, a ordem foi dada:
– Atenção, pelotão! Preparar! Apontar! Fogo!
O que terá passado pela cabeça do pseudo-fuzilado naquela hora, totalmente envolto em fumaça e sem nenhuma bala em seu corpo? 
Soltaram Severino, mas o coronel lhe advertiu:
– Isto foi só uma demonstração. Se você continuar falando mal do Exército Brasileiro, da próxima vez será para valer.
Depois de um estresse desse o que nosso personagem deveria fazer? Exatamente o que ele fez: dirigiu-se ao bar para tomar uma de cana e espalhar o sangue. 
Quando ele entrou no bar, muito antes do garçom lhe atender, os outros frequentadores correram para ouvir o motivo porque os militares o soltaram tão rapidamente:
– Pessoal! O Exército Brasileiro está tão quebrado que nem munição tem!

  
Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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