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sexta-feira, 2 de março de 2018

Assembleia Legislativa homenageia Manoel Torres


As homenagens pelo centenário de nascimento de Manoel Torres de Araújo, ex-deputado estadual e ex-prefeito de Caicó, prosseguem hoje com a realização de Sessão Solene na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, que teve o privilégio de tê-lo entre os seus pares por quatro legislaturas.
A homenagem, proposta pelo deputado Gustavo Carvalho, começa às 9h00 com Sessão Solene, seguida de exposição fotográfica no Salão da Presidência da Casa.
O Centenário de Manoel Torres transcorre desde o dia 15 de fevereiro, quando, se vivo estivesse, ele completaria 100 anos de idade.
Naquele dia, na Missa em Ação de Graças, o padre Gleiber Dantas fez uma homilia dedicada a Manoel Torres, que o Bar de Ferreirinha publica para registro histórico como um documento essencial sobre o homem que fez da ética e da honestidade a sua bandeira política.
E também para deleite dos seus milhares de admiradores e seguidores espalhados por Caicó, Seridó e Rio Grande do Norte:

MISSA EM AÇÃO DE GRAÇAS PELO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE MANOEL TORRES DE ARAÚJO
Santuário do Rosário, em Caicó (RN), 15 de fevereiro de 2018, presidida por Gleiber Dantas de Melo, pároco da paróquia São Sebastião, em Florânia. 

44,1Vamos fazer o elogio dos homens famosos, nossos antepassados através das gerações. Estes são homens de misericórdia; seus gestos de bondade não serão esquecidos. 11Eles permanecem com seus descendentes; seus próprios netos são a sua melhor herança. 12A descendência deles mantém-se fiel às alianças, 13e, graças a eles, também os seus filhos. Sua descendência permanece para sempre, e sua glória jamais se será apagada. 14Seus corpos serão sepultados em paz e seus nomes duram através das gerações. 15Os povos proclamarão a sua sabedoria, e a assembleia vai cantar o seu louvor.
Eclesiástico

Este trecho do livro do Eclesiástico, lido na Missa Solene de Sant’Ana de Caicó, padroeira de Caicó e guia do povo do Seridó na caminhada do reino de Deus, parece ter sido escrito por um amante de nossa gente, alguém que sabe que apagar um nome é como roubar uma estrela dessa constelação que, antes de brilhar no firmamento, foi pedra nesse sertão. Somos, de fato, descendentes de Abraão, não somente pela fé no Deus que nós conheceríamos plenamente pelo rosto de Jesus, mas porque o sangue semita corre nas nossas veias e ecoa ainda hoje no nome dessa região potiguar.

Ao escolher a Sagrada Eucaristia como marco inicial da comemoração dos cem anos de nascimento de Manoel Torres de Araújo, sua família quis que esta data fosse celebrada ao estilo de Jesus, nosso mestre, que continuamente nos prepara o olhar para perceber os sinais de Deus em nossa história. Dando graças a Deus pela vida, pela história e pela família de Manoel Torres de Araújo, nós bendizemos o Senhor por todos os que o acompanharam em sua trajetória de quase noventa e quatro anos, – quase! – pois, em quinze de janeiro de dois mil e doze, ele quebrou a casca da mortalidade e se fez invisível, mas sempre presente como todos os que pertencem ao povo eleito.

Manoel Torres de Araújo, Manoel Torres, “seu Mané”, “Mané Panela”, o empresário da Santorres, o empresário da Algodoeira, filho de Paulino Batista Pereira Torres e Maria Marcolina Torres, nascido na Timbaúba dos Batistas, homem de Caicó, legítimo descendente e fiel representante do “Seridó que a gente ama”, expressão do nosso conterrâneo e primo, meu amigo e compadre, o escritor Fernando Antônio Bezerra. Não somente o conheci, como fui alvo de sua bondade. Já seminarista, estudando no Seminário Arquidiocesano de São José, como a maioria do clero da Diocese de Caicó, graças ao empenho do Cardeal Dom Eugenio de Araujo Sales, por duas vezes, Manoel Torres se encontrou comigo e me deu cinquenta reais, que era o equivalente a quase meio salário mínimo, para meus estudos. Depois, quando recebi o ministério de Leitor, na Catedral de Sant’Ana de Caicó, em dezessete de julho de mil novecentos e noventa e nove, ele mesmo se fez presente à celebração. Por ocasião de minha ordenação diaconal e presbiteral, três anos depois, seria muito custoso para ele participar daqueles atos litúrgicos que demandam um pouco mais de tempo.

A primeira recordação que tenho de Manoel Torres de Araújo remonta a mil novecentos e oitenta e oito, quando de sua campanha a prefeito de Caicó. Se meu bisavô Juca Mello era do PSD e acompanhava Monsenhor Walfredo Gurgel, se meu bisavô Godofredo Fernandes era da UDN e acompanhava Dinarte de Medeiros Mariz, significa que, como seu descendente, sou amigo de todos e a minha política é feita no diálogo, para que a democracia seja nosso entendimento e o respeito seja a bandeira branca.

Bandeira branca, amor!
Não posso mais.
Pela saudade,
que me invade,
eu peço paz.

A bandeira branca, a bandeira da paz, mais alta que todas as bandeiras. 

Dizem que política e religião não se discutem; de fato, não se discutem, mas dialogam e é pena que estamos perdendo a capacidade do diálogo. Dizem igualmente que não se misturam; de fato, não se misturam, mas política e religião se unem porque, apesar de estarem em campos diferentes, existem para nos ensinar a vida e a felicidade, como ouvimos na primeira leitura dessa celebração da quinta-feira depois das Cinzas. Se, no Brasil, vivemos uma pretensa república que não tem uma religião oficializada, os valores propostos por nossa tão aviltada Carta Magna traduzem o ensinamento do amor ao próximo, levado às últimas consequências pelo Profeta de Nazaré, nosso Senhor.

A política – a política! – é um instrumento precioso para a construção de estruturas que beneficiam todo o povo e garantem a este o livre exercício de sua cidadania, que é sempre a prática do bem comum, isenta de egoísmos e disputas. A quem traz na alma a vocação de servir, na vida pública, bem se adéqua a palavra do Evangelho: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23). Tomar a própria cruz é tomar a cruz de quem mais sofre, de quem mais está à margem e sofreu a injustiça de não ter as mesmas oportunidades que a alguns foram dadas com mais vantagens. Renunciar a si mesmo é exatamente entender que é preciso arrancar da alma estas danosas inspirações do egoísmo, da desonestidade, da mentira, daquela imparcialidade que é incapacidade de franqueza, o que é uma grande fraqueza de caráter. Alguém que se disponha a servir ao povo pode ganhar todas as honras humanas e eclesiásticas, mas destruirá a si mesmo se não conseguir pautar sua vida pela estrada da humildade e da simplicidade. Esta – a humildade – foi uma marca de Oscarina de Oliveira Torres, companheira de Manoel Torres, sobre quem não se pode falar sem fazer uma honrosa menção a ela que nunca foi mulher de dissensões e revanchismos. Muito pelo contrário, Oscarina era uma operária da paz, beneficiada pelo Evangelho de Jesus Cristo, mulher das bem-aventuranças. Com ela, falecida em dois mil e oito, com a companheira que esteve com ele desde mil novecentos e quarenta e dois, Manoel Torres de Araújo constituiu o berço de Ozelita, Lígia, Galileu, Noel, Jussara e Marcos, falecido há alguns anos. A vocês agradeço a deferência de terem me escolhido para presidir essa celebração e desejo que vocês  permaneçam unidos, em torno do legado de honradez e honestidade deixado por seus pais que o Caicó de todos nós recorda nesta data de Manoel Torres.

Este homem – Manoel Torres de Araújo – foi mais um dos que projetaram o nome de Caicó, razão pela qual somos necessariamente levados a pensar na terra a que ele serviu, por duas vezes, como prefeito e quatro vezes como deputado estadual. A vida pública de Manoel Torres de Araújo é um emblema vivo que, infelizmente, encontra-se desbotado para muitos contemporâneos nossos. Não que seus valores tenham perdido sua validade, pois são valores eternos, mas é que muitos de nós não acreditamos mais na honradez da palavra, na importância da fidelidade, na necessidade da confiança, na riqueza da amizade. Governar se torna cada vez mais difícil porque nosso povo está cada vez mais pouco educado – pouco educado! Manoel Torres de Araújo é filho de um Caicó que tinha o Grupo Escolar Senador Guerra como palácio da sabedoria para todos, para os filhos de famílias mais influentes e para os filhos de famílias sem qualquer fortuna. A importância da família, numa celebração como essa, é patente, e não se pode falar em Manoel Torres sem que pensemos na família Batista, no clã dos Panelas, nos descendentes de Tomaz de Araújo Pereira e José Batista dos Santos, tampouco na família que ele constituiu com nossa irmã Oscarina, como dissemos anteriormente.

Nós estamos fazendo da família um brinquedo e quando o bem mais sagrado da existência humana – que é a família – passa a ser manipulado da forma mais profana, todos os demais valores são objeto de pilhéria. Eis a razão de a fé e a política terem perdido seus referenciais. Entretanto, datas como quinze de fevereiro de dois mil e dezoito acenam para a esperança e, inevitavelmente, para a alegria, pois ambas caminham de mãos dadas, no horizonte da fé. Nossa esperança não decepciona, nossa alegria não é mera euforia, e elas duas fazem do sertanejo um teimoso, como Monsenhor Walfredo Gurgel disse, na inauguração da energia elétrica de Paulo Afonso, na cidade de Ouro Branco, em dois de outubro de mil novecentos e sessenta e nove: “O sertanejo é um teimoso”.

E quando se trata de um sertanejo do Seridó, estamos falando da força em forma humana, pois o Seridó é uma poesia em todo tempo e seria imperdoável comemorar o centenário de um amante de Caicó sem pensar no cenário que fez Manoel Torres. Quem se der a alegria de ouvir o depoimento do Senador Dinarte de Medeiros Mariz ao programa Memória Viva, na TV Universitária, em dezembro de mil novecentos e oitenta, entenderá melhor a obra política de Manoel Torres de Araújo e não correrá sofrer o risco que propôs o filósofo Zigmunt Bauman, em seu livro póstumo “Retrotopia”. O que é isso? O nosso presente está adoecido por falta de credibilidade no futuro; a ausência de lideranças e o vazio de perspectivas fazem-nos voltar ao passado e buscar nele uma segurança forte, inspirada até em ideias nazifascistas ou comunistas. Essas ideias, essas utopias, que não deram certo no passado, não servem para a paz de nosso Caicó, de nosso Seridó e, se não servem para nossa terra, não servem para o mundo.

Manoel Torres de Araújo é fruto de uma sociedade seridoense que teve uma utopia, uma utopia que não pode morrer: o Seridó desde cedo primou pela educação. Pela educação! O Seridó ensinou o Rio Grande do Norte a ler. Aqui nasceu a primeira Escola de Latim, daqui saiu o Padre Francisco de Brito Guerra para o Senado do Império, o que lhe deu a alcunha de Senador Guerra, homem que fez do Seridó a sua terra, embora não tivesse nascido aqui, mas da freguesia da Senhora Sant’Ana do Seridó fez uma civilização. Se o centenário de nascimento de Manoel Torres de Araújo suscitar novas lideranças no meio de nossa juventude, políticos mais estudados, mais estudiosos e mais cultos, e depositar novo ardor em nossas atuais lideranças para nos servirem com mais abnegação, humildade e aguerrida defesa do Seridó, eis porque aqui estivemos reunidos na fé que converte o coração do ser humano. 

Em mil novecentos e sessenta e cinco, eram dois filhos de Caicó os candidatos ao governo do Rio Grande do Norte: Dinarte de Medeiros Mariz e monsenhor Walfredo Gurgel, que foi eleito naquele pleito. Dinarte de Medeiros Mariz, neto do senador José Bernardo de Medeiros, primo de José Augusto Bezerra de Medeiros, que nunca se envergonhou de dizer que ele e seu avô tiveram as mesmas oportunidades na questão de cultura: ambos frequentaram a Universidade de Caicó. Diz o velho Senador:

Caicó é uma terra onde todo aquele tiver vocação para lutar e coragem para suportar aquele meio, deve chegar lá. Porque é uma terra em que o povo ensina muita coisa, pois, só assim se explica alguma coisa que aprendi, porque muitos aprendem de fora, indo buscar nos centros mais civilizados alguma coisa para trazer de volta. Fui o contrário: aprendi na minha terra e levei para fora alguma coisa que a minha terra me ensinou. E parece que não fui muito reprovado nessas coisas. 

Manoel Torres nunca foi seu correligionário, mas ambos tiveram, nesse sentido, a mesma paixão, o mesmo ideal, a mesma sublime vocação política: o amor a Caicó, o desejo que essa terra alcançasse o potencial que lhe foi dado por Deus, ser “farol de instrução, aclarando o talento dos filhos”, como escreveu nosso poeta José Lucas de Barros, no hino de Caicó. Amamos Manoel Torres e o amaremos sempre mais se amarmos esse Caicó por quem ele, Manoel Torres, já alquebrado, entrou em uma campanha política, em mil novecentos e noventa e seis, não obstante o cansaço que a vida impõe a todo mortal naquela fase de vida. Esse Manoel Torres de Araújo vive, inconscientemente, no coração de cada caicoense, pois não é sobretudo em torno dele – não é em torno dele, sobretudo – que nós nos reunimos nesta noite, mas é mormente congregados pelos ideais de sua fé e de sua história que para cá fomos trazidos.

Existe, em cada caicoense, em cada seridoense, em cada potiguar, em cada nordestino, em cada homem e em cada mulher desse país, existe o desejo de que surjam mais políticos como Manoel Torres de Araújo, como Dinarte de Medeiros Mariz, como Walfredo Dantas Gurgel, como José Augusto Bezerra de Medeiros, como José Bernardo de Medeiros, homens que amaram sua terra como a sua própria vida, homens que deram incentivo às letras e não homens que roubaram dos professores e professoras sua autoridade e sua importância, na construção de uma sociedade forte como o Rio Grande do Norte; homens que reconheceram o valor das pedras desse sertão e entenderam que somente o estudo e o trabalho podem lapidar a alma de quem nasce aqui, que somente esses – o trabalho e o estudo – são os caminhos que salvam o ser humano e lhe fazem ter sentido para a vida. Somente esses são os ideais capazes de termos novamente “Caicó de cabeça erguida”. 

A Manoel Torres de Araújo a nossa reverência e a nossa prece, reconhecendo nele os dons que Deus dá ao ser humano para servir a seu povo e estar ao lado de sua gente. Amém.

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