Ciduca Barros
É natural para aqueles que serviram compulsoriamente nas Forças Armadas, por uma questão de ufania patriótica, gostar de comentar a sua passagem pela caserna. Comumente, escutamos os amigos, principalmente os mais velhos, iniciarem algumas histórias com “no meu tempo no Exército”. Sabemos, sobejamente, que a estada obrigatória nos quartéis militares nada tem de charmosa.
É muito bom falar sobre isto hoje, entretanto, a passagem de um jovem pelos quartéis militares nada tem de encantamento. Quem esteve lá sabe muito bem. Uma prova cabal disso é que o nome daquela convocação de antigamente era “serviço militar obrigatório”. E supomos que nada que é compulsório é tido como prazeroso. Vocês, que estiveram lá, concordam comigo? Entretanto, não existe um campo tão fértil de histórias engraçadas quanto a velha e imutável caserna de várias gerações.
Eu já contei as histórias divertidas de alguns militares. Do soldado Caterpillar e do Velho Lobo do Mar, no livro “Minha Gente Engraçada do Seridó”, e do soldado Clemente e do oficial da Marinha de Guerra, na obra “Seridó - Uma Nação Divertida”.
Estava faltando a história do valoroso soldado Félix, do 1º Batalhão de Engenharia e Construção, sediado na cidade de Caicó. Alguns soldados faziam um exercício de “guerra simulada”, numa escura noite de chuvas intensas, isto no fim da década de 1950, quando naquela cidade só tínhamos energia elétrica somente até as 22h.
A última parte do exercício ocorria da seguinte forma: as companhias seguiam a “companhia líder”, mantendo, logicamente, considerável distância entre si. Para que os pelotões soubessem o destino dos demais que iam a sua frente, o oficial responsável deixava sempre um soldado postado num ponto estratégico para informação.
O destemido soldado Félix fazia parte da companhia líder. Eram quase 22h, com chuva, lama, raios e trovões no ar, quando o comandante resolveu que todos deveriam retornar ao quartel. Para avisar as demais patrulhas da decisão superior sobre o retorno de todos, foi designado um soldado que devia ficar postado numa determinada esquina da cidade, que, coincidentemente, era a esquina do cemitério público. Adivinhe quem foi designado para aquela importante função? Quem disse que foi o valente soldado Félix, acertou em cheio.
Então, houve um grande e rumoroso problema de estratégia militar: a patrulha-líder, com todos os seus membros encharcados, voltou sã e salva, mas as demais, em petição de miséria, com todos estropiados, só chegaram ao quartel nas primeiras horas da manhã do dia seguinte.
Aberto o sério e competente inquérito militar para apuração das responsabilidades, quem você acha que foi o culpado da provável perda de tantas vidas (se fosse realmente uma guerra, é claro)? Quem disse o soldado Félix, acertou novamente.
Instado a prestar o seu depoimento sobre o caso, o intrépido soldado Félix foi lacônico e incisivo:
– Eu fiquei na esquina do cemitério, daí a luz da cidade se apagou. Como eu tenho muito medo de almas do outro mundo, me mandei.
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha
Parabéns! Como sempre, Você é mestre na arte de narrar ocorrências com humor. Gostei
ResponderExcluirCarlos Valentim Filho (Inspetor no período 1968/1980). Grande abraço.