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domingo, 17 de maio de 2020

As bombas de gasolina do Seridó de outrora

Ciduca Barros

A minha pobre memória se recusa a pensar no recente, no hoje, no agora. Não sei se o meu inconsciente, atiçado por meu isolamento social, que nada mais é do que uma ordem que determina “afaste-se dos parentes e amigos”, ou seja, se torne antissocial ou um “bicho do mato”. 
A minha memória, a todo instante, dar um retrocesso na minha história de vida e, mais uma vez, me coloca no passado. E, o meu passado, tem que, indubitavelmente, transitar pelos sertões do Seridó antigo. 
Hoje, surgiu no meu imaginário as antigas e ultrapassadas bombas de gasolina de outrora. Bombas de gasolina, eram assim que as dizíamos pois, geralmente, elas eram montadas nas calçadas dos estabelecimentos comerciais que também negociavam com outros produtos ligados aos veículos automotores (peças e acessórios). 

Na longínqua década de 1950, na cidade de Caicó (RN), que eu me lembre, só tínhamos as bombas de gasolina de seu Hermínio, a de Enésio, a de Artur Dias, a de Adauto Dias e a de Luiz da Costa Cirne (que deu origem aos atuais e modernos Postos Cirne). O correto é dizer mesmo “bomba”, no singular, pois o único combustível comercializado à época era gasolina, daí existir apenas uma bomba em cada calçada da casa comercial. 
Naqueles árduos (mas felizes) tempos, as pequenas cidades interioranas, através de um grande gerador (que chamávamos de “motor da luz”), mantinham energia elétrica apenas durante a noite. Assim sendo, as bombas de gasolina para funcionarem durante o dia, usavam uma espécie de manivela manual.
Porém, a gasolina não era o único combustível usado naquele tempo. Nas pequenas cidades, nos sítios e nas fazendas; utilizados em lamparinas, faróis, lanternas e até em geladeiras, o querosene também se fazia presente no dia a dia do seridoense. 
E quem tinha autorização para vender o querosene? Aqueles mesmos comerciantes que também tinham autorização para vender gasolina. 
Lembro-me bem de que, inicialmente, o querosene Esso, da marca Jacaré, chegava até nós em latas de 5 ou 18 litros. Posteriormente, os caminhões traziam uns tambores de aço, com capacidade para 200 litros, hermeticamente fechados, com o querosene que, depois de “retalhados”,  seria comercializado nos “pontos” das bombas de gasolina. Era comum, em pleno luz do dia, vermos os transeuntes na mesma calçada pública em que os funcionários do estabelecimento, ao lado da “bomba de gasolina”, transferiam o querosene dos tambores para as latas e, em seguida, soldando as tampas com solda branca. Esta inusitada e perigosa operação, poderia ser feita até aos sábados, dia da feira de Caicó e, consequentemente, com mais gente transitando nas calçadas. 
Hoje, com todos os dispositivos e medidas de segurança, o Corpo de Bombeiros jamais autorizaria aquela operação: a junção de ferro quente (solda) com material inflamável (querosene e gasolina). Nunca ouvi falar que aquela operação tenha causado nenhum incêndio. Por falar em incêndio, que não deixa de ser um desastre, lembrei-me também de um acidente, que quase se transformou num desastre de grandes proporções, ocorrido numa bomba de gasolina em Caicó. 
Naquele tempo, no auge da produção de algodão Mocó, lá no Seridó, um caminhão carregou com algodão, já beneficiado por uma das nossas algodoeiras e, antes de empreender viagem, o motorista foi abastecer o veículo. 
Todos que vivemos naquele tempo, sabemos como as cargas de algodão ficavam bem acima das grades dos caminhões. Àquela altura excessiva, logicamente, deixava os caminhões com menos estabilidade
Voltando à história, quando o motorista pisou no freio, defronte à bomba de gasolina, a carga pendeu totalmente para a direita, no sentido da bomba. Com todos em suspense, a carga parou de pender e, voltando lentamente, pendeu com mais embalo para a esquerda e o caminhão virou no meio da rua. E ali ficaram, o caminhão e sua carga de algodão, em plena Av. Coronel Martiniano, entre a bomba de gasolina de Seu Hermínio e o Mercado Público de Caicó. 
Ninguém se feriu. Deve ter sido a abençoada mão de Sant’Ana.
O tempo passou e começamos a ver, em cada estabelecimento daqueles, uma segunda bomba. Agora eram duas bombas instaladas nas calçadas das lojas que comercializavam combustíveis. Era o óleo diesel dando às suas caras.
Dali.  para os modernos e confortáveis postos de serviços da atualidade, foi um pulo.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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