Ciduca Barros
Como a história do cangaço ocorreu no Nordeste Brasileiro, nós, nordestinos, gostamos de ler, ouvir e discutir tudo que se refere ao assunto. Aquela foi uma fase triste, violenta e sangrenta para os moradores da Região, mas não podemos esquecer que ela faz parte da História do Brasil.
Eu, particularmente, sempre me identifiquei com o tema, mas não com o ímpeto, com o grau de envolvimento de um conterrâneo nosso. O homem tem uma vasta bibliografia sobre cangaço e cangaceiros, compra tudo que já se escreveu a respeito, e dizem que ele lê e relê os seus livros. Assiste a tudo que a televisão e o cinema já fizeram sobre aquela fase e grava para o seu acervo particular. Como não poderia ser diferente, seja no ambiente de trabalho, nas reuniões sociais, seja noutro lugar onde ele se encontre, sempre acha um espaço para falar sobre a sua obsessão – especificamente sobre Lampião e Maria Bonita.
Assim, como muitos de nós, o cangaceirólogo (existe?) gosta também de tomar as suas geladinhas e, para isso, ele frequenta um determinado bar da cidade. O que ele não sabia era que o seu único assunto vinha azucrinando os seus amigos do bar. Eles não suportavam ouvir aquele mesmo tema. Daí, resolveram armar uma história estapafúrdia com o objetivo de dar um choque no lampiólogo (epa!).
Naquele dia ele estava excitadíssimo. Não deixava ninguém falar. Ele não dava nenhuma chance para outros se pronunciarem. E todo aquele frenesi tinha um motivo: ele tinha acabado de chegar de uma viagem ao Estado de Sergipe, precisamente da Fazenda Angicos, no município de Poço Redondo, onde, em 28.7.1938, a Polícia Alagoana emboscou e matou vários cangaceiros do mesmo bando, inclusive Lampião e Maria Bonita.
Portanto, o dia estava perfeito para o tratamento de choque que os amigos haviam adrede tramado. Assim, quando o cangaceirólogo (vige!) deu uma pausa para tomar um gole da sua cerveja, foi a chance de alguém do grupo etílico, dirigindo-se aos demais, perguntar:
– Vocês sabiam que Lampião era corno?
O fã do cangaceiro quase se engasga com a cerveja com tanto desrespeito ao seu ídolo. E com o calor da indignação tomando o seu rosto, perguntou:
– Pelo amor de Deus, homem. De onde você tirou uma história desrespeitosa dessas?
– Ele era corno, sim senhor! – ratificou o outro.
E arrematou:
– Maria Bonita tinha uma maneira toda particular de comer a cabroeira. Ela cantava um cangaceiro, e se ele se recusasse, ela dizia: “ou você me come ou eu digo a Lampião que você me deu uma cantada”. O cara, se não comesse, morria.
O mariabonitólogo (essa doeu!) quase sofreu um ataque de apoplexia. A coisa piorou quando outro companheiro de bar, sem deixar o respeitoso fã se recuperar do choque, mandou:
– E tem mais, Lampião também era veado!
O lampiólogo (ops!) ficou sem fôlego ao ouvir tanta falta de respeito aos seus ídolos.
– Valha-me Deus! Donde saiu essa mentira, gente? - perguntou, quase sem fala.
Daí, o caluniador resolveu também mostrar os seus conhecimentos sobre a preferência sexual do temido bandoleiro:
– Existiu um cangaceiro cuja alcunha era Pilão Deitado. Este apelido deveu-se ao fato de ele ser “bem dotado”. Pois esse cara era o “bofe” de Lampião.
E antes que o admirador do cangaço pudesse defender a sua causa, o caluniador atacou:
– Contam que, à noite, quando o Rei do Cangaço queria ser enrabado, dizia: “Benhêê, traga a sua mão-de-pilão e venha chafurdar nos meus quartos”. (*)
Nota do narrador: para as pessoas humildes e iletradas do Nordeste Brasileiro, “quartos” é um dos nomes atribuídos à bunda.
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha



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