Ciduca Barros
Na nossa vida, às vezes, acontecem fatos que são verdadeiros mistérios.
Tudo vai transcorrendo dentro da mais perfeita normalidade e, de repente, sem sabermos a razão, alguma coisa sai dos eixos e nos traz uma baita encucação.
Foi o que houve com aquele conterrâneo que, considerado “bom de copo”, em fins-de-semana, tomava todas nos bares da sua cidade.
Ele, politicamente correto, quando ia encher a cara, nunca dirigia.
A sua santa esposa deixava-o lá e, quando acionada pelos colegas ou pelos garçons (às vezes, por todos), ia, diligente e carinhosamente, apanhá-lo.
Não sei se coincidência ou não, ele possuía um veículo tipo utilitário (daqueles em que é possível deitar o banco traseiro para aumentar o espaço interno), muito útil para “certas cargas”.
Bêbado é uma carga frágil.
Nas ocasiões em que nosso personagem enchia a cara, a sua santa esposa, exemplo de mulher compreensiva e virtuosa (uma verdadeira Amélia), arriava convenientemente o banco traseiro do utilitário para ampliar o espaço interno, deitava-o delicadamente ali (os garçons e os amigos de copo mais sóbrios também ajudavam na operação de embarque) e, cheia de desvelo e carinho, o transportava para casa.
Nos dias seguintes às suas bebedeiras, eis que surgia o mistério: o homem ficava cheios de equimoses e hematomas por todo o corpo.
Parecia que tinha sido atropelado por um trem carregado com trilhos.
Interrogava os amigos que tinham estado nos bares com ele:
– Eu briguei com alguém? Levei algum tombo? Houve algum terremoto? Fui atropelado?
Nada daquilo acontecera, explicavam os demais papudinhos.
Os amigos, por sua vez, cheios de dúvidas, vendo as marcas das “porradas” no seu corpo, também lhe perguntavam:
– Sua mulher lhe bateu?
– Minha esposa? Aquela mulher é um anjo – respondia ele enternecido.
Isto acontecia, invariavelmente, todas as vezes que a sua sacrossanta consorte o apanhava no bar.
O mistério continuou até o dia em que os fiéis companheiros de copo decidiram proceder a uma investigação mais detalhada.
Assim fizeram: o marido altamente alcoolizado foi colocado, delicadamente, na parte traseira do carro, sob a supervisão zelosa da sua amada, e os amigos, em outro veículo, os seguiram sem serem notados.
A coisa ficou devidamente esclarecida já na primeira esquina. Sua mulher, a “santa do pau oco”, quando saía com a sua frágil carga, propositadamente, dirigia tresloucadamente com o único objetivo de ir à forra por suas farras.
Pisava fundo no acelerador, e dava freadas repentinas e bruscas.
Outras arrancadas bruscas e novas freadas mais bruscas ainda.
Fazia as curvas cantando pneus.
Passava por cima das lombadas pisando pra valer no acelerador.
Executava manobras super-radicais que faziam o pobre do marido rolar, desgovernadamente, durante o trajeto entre o bar e a sua casa.
Haja perebas e calombos, no dia seguinte!
A expressão Santa-do-pau-oco refere-se à pessoa que se faz de boazinha, mas não o é. Nos séculos XVIII e XIX, no Brasil, os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos, ocas por dentro. Os santos eram recheados com preciosidades roubadas e mandados para Portugal.
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha
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