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domingo, 13 de outubro de 2019

Madrugadas (1)


Ciduca Barros

Um dia tem quatro turnos, cada um deles com 6 (seis) horas: matutino (ou manhã), vespertino (ou tarde), noturno (ou noite) e madrugada. De todos os turnos de um dia o que mais me fascina é a madrugada. As primeiras horas do dia, ou seja, o período entre a meia-noite e o nascer do sol, é chamada de madrugada, matina ou sembrol.
As primeiras horas do dia, para nós, sempre foram idílicas. A aurora sempre nos remete à nossa terra querida, quando, ainda jovens e irresponsáveis, enfrentávamos o alvorecer com os paletós nos ombros (e o coração nas nuvens), após mais uma festa-baile nos clubes de Caicó. Lembramo-nos muito bem de que, em várias ocasiões, deitados no chão do coreto da Praça da Liberdade, usando o nosso paletó como travesseiro, víamos o arrebol do nascer do forte sol do Seridó.
As antigas e românticas serenatas também transformaram as nossas madrugadas do passado em idílicas. Quando do tempo das romanescas serestas, era antes da aurora que os seresteiros e seus tangentes violões atuavam. Lembrem-se que estamos falando daquelas serenatas, no velho e tradicional estilo ao pé da janela da mulher amada. 
No meu livro intitulado CINQUENTA CONTO$ DO NOSSO BANCO ALEGRE E ÚTIL, publicado em 2010, na página 89, escrevi um capítulo denominado “Serenatas”, e, abaixo, descrevo parte dele:
“Naquela época as condições eram propícias às serenatas: ruas desertas e escuras, mas sem assaltos; uma lua ressaltada num céu estrelado; nossa juventude e, o mais importante, vivíamos eternamente apaixonados. Quem da nossa geração, rapaz do interior, não fazia aquelas serenatas para as suas amadas? Porém, alguns incidentes ocorridos em serenatas merecem registros.
Fim da década de 1950, uma seresta em Caicó. Nós tínhamos um amigo, bom de copo, boa voz e excelente violonista. Com este currículo qual pai o queria para genro? Na ocasião ele estava apaixonado por uma jovem que o pai dela, logicamente, não o queria por perto. Madrugada, final de serenata, todos bêbados, chegaram à janela da paixão do seresteiro.  
Ele tirou belos acordes do seu violão e atacou uma música intitulada “Atiraste uma pedra”, composição de Herivelto Martins e David Nasser, interpretada por Nelson Gonçalves, muita cantada à época:
“Atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem
 E quebraste um telhado, perdeste um abrigo
 Feriste um amigo.”
Naquele momento, um dos amigos, com a mente embotada por excesso de álcool, catou uma grande pedra e, com extrema violência, acertou o telhado do ciumento pai, quebrando uma porrada de telhas e fazendo um ensurdecedor barulho. Despertou a rua inteira. Nosso seresteiro parou a canção, entregou o violão ao seresteiro mais próximo, e disse uma frase que ficou gravada nos anais das serestas caicoenses:
– Esse homem não gosta de mim, porra! Segure o “pinho” que eu vou correr!

Outra serenata, desta feita na cidade de Currais Novos, na década de 1960, eu já funcionário do Banco do Brasil. Seresta perfeita, madrugada enluarada e agradável, um colega ao violão e um outro cantando a famosa música “Chão de Estrelas”, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa. Quando o colega-cantor, com a sua maviosa voz, mandou:
“A porta do barraco era sem trinco
mas a lua furando nosso zinco...
Um terceiro colega, embriagado ao extremo, segurou as cordas do violão, impedindo o tocador de continuar, e perguntou para o cantor:
– Porra, isto era uma lua ou uma pua?”
(Continua na próxima semana)
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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