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domingo, 3 de fevereiro de 2019

Em 1960


(Uma história politicamente incorreta)

Ciduca Barros

Atualmente, as pessoas passaram a ver racismo, segregação racial, homofobia e outros preconceitos, logicamente condenáveis, em tudo que se diz (ou se escreve). 
Eu tenho mais de 70 anos e sou de uma geração que também condena os preconceitos, mas também abomina os excessos atuais. 
Vamos combater as segregações, mas sem frescura. 
Faço este preâmbulo para justificar, primeiro, que não sou nem nunca fui racista (eu também sou negro, ou pardo, mas pouco importa); segundo, como esta historieta ocorreu há mais de 50 anos, quando ainda não havia o “politicamente incorreto”, talvez os patrulhadores de plantão a aceitem.
Alguns se lembram de que, no ano de 1959, maldosamente, criaram a infame história de que no ano seguinte, em 1960, negro iria virar macaco. 
Foi, realmente, uma brincadeira de muito mau gosto, mas que várias pessoas brancas desta imensa nação aderiram e passaram a gozar os que eles consideravam como não brancos. 
A brincadeira maldosa ganhou o país. 
Dois compositores do Recife (Nelson Ferreira e Sebastião Lopes) fizeram uma marchinha de carnaval que ganhou até um concurso; a letra da música que, hoje, fatalmente, não seria aceita, ainda dava uma aliviada na cretinice quando dizia: “negro é gente igual a gente, muito preto existe pra ninguém botar defeito”.


Naquela época, quem tinha amigos de pele escura não perdia a oportunidade e, jocosamente, gritava em sua direção:
– Em sessenta, negro vai virar macaco!
Cada um reagia a sua própria maneira. 
Alguns se aborreciam. 
Outros entravam na brincadeira e respondiam com outra brincadeira mais maldosa ainda. 
Eu, por minha vez, quando algum amigo me dizia – “em sessenta, negro vai virar macaco” –, ao tempo em que segurava na minha própria braguilha, respondia: “o rabinho está nascendo pra frente”.
Naquele tempo, na agência do Banco do Brasil na cidade de Caicó (RN), havia um contador (a contadoria, posteriormente, se tornou subgerência e, depois, gerência-adjunta), homem considerado negro (atualmente seria afrodescendente), excelente pessoa, natural do estado de Minas Gerais, bom bebedor de cerveja e dono de um excelente humor.  
Era um homem de muitos amigos (dentro e fora do Banco), brincava com todo o mundo e todos brincavam com ele.
Naquele ano, os seus amigos, de dentro e de fora do Banco, pegaram no seu pé, para valer, com aquela história de: “em sessenta, negro virará macaco”.  A todos, ele, bem-humorado que era, respondia com uma brincadeira ou com uma sacanagem maior. 
E assim decorreu todo o ano de 1959. 
Veio a Festa de Ano-Novo, no clube da cidade (ainda não existia AABB), com toda a sociedade local comemorando a passagem do ano de 1959 para 1960, inclusive o contador do Banco do Brasil. 
Exatamente à zero hora, quando espocaram os fogos de artifício e todos se abraçaram desejando um “Feliz e próspero ano novo”, o contador havia desaparecido do ambiente. Todos o procuraram, exaustivamente, e ninguém o encontrou. 
Passados os minutos, quando a calmaria voltou às mesas da festa, eis que o homem-da-pele-negra apareceu.   
Um amigo que, como os demais, estava preocupado com a sua ausência momentânea, foi logo lhe perguntando:
– Paulo, onde estava você que ninguém o encontrou para desejar felicidades na passagem do ano?
E ele, comprovando que era realmente um homem de muito bom humor, respondeu:
– Eu? Fui à minha casa verificar se havia nascido rabinho nas minhas crianças!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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