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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Diarreias mentais - CXXXV


Famigeradas filas

– Você ainda está com aquele cara, mulher?
– Tô nada, mulher!
– O que aconteceu?
– Ele só queria me fuder e comer o meu dinheiro!
Este diálogo de novela global, eu ouvi, recentemente, na fila de um moderno terminal eletrônico de um banco.  
Existe algo mais exasperante do que uma fila? Você pode ser a pessoa mais calma e cordata do mundo, mas numa fila lenta a paciência de quem espera se transforma em irritação. Infelizmente, nos tempos atuais, em que pese ao desprazer geral que as filas provocam, elas passaram a fazer parte do nosso dia-a-dia. Com o ritmo frenético da vida moderna, quando se faz necessário resolver tudo com celeridade, a fila, ao invés de servir como solução para os nossos problemas, tornou-se uma obrigação maior e mais massacrante.  
Ninguém melhor do que nós, que fomos funcionários de banco e que passamos anos lidando com ela (mormente quem foi caixa-executivo ou supervisor-de-bateria), conhece tão bem a útil e famigerada fila. 
Foi nas filas que assistimos a discussões acirradas, controvérsias, polêmicas, distensões e até cenas de pugilato. Atendimento vagaroso, ambientes desconfortáveis, pessoas prolixas, engraçadinhos que tentam ultrapassar os demais, pessoas que têm atendimento preferencial – inclusive mulheres com apenas duas horas de gravidez e velhinhos que correm maratonas – e outras aberrações que chateiam e atrasam, tudo isso aborrece, porém são suportáveis. 
O que realmente abominávamos são os papos broxantes das pessoas nas filas. Ali ouvimos de tudo: receitas de bolo, casos de infidelidade (dos três sexos), histórias de casais que se separaram, de filhos com inapetências e diarreias, anedotas sem graça, piadas de mau gosto, capítulos inteiros de um “reality show” (com as suas sacanagens inclusas) e enredos e tramas de novelas com seus finais melodramáticos. Haja saco!
E quando a conversa pendia para a área médica? Muitos tinham dicas de saúde e remédios milagrosos. Fizemos ali um curso completo de medicina e uma especializada residência médica. Além disso, ainda escutamos depoimentos dos casos mais complexos que a medicina hodierna pode enfrentar, com: causas, sintomas, manifestações, tratamentos e mais as posologias específicas dos medicamentos. E, de quebra, também ouvimos relatos e depoimentos de operações cirúrgicas melindrosas e intricadas, transplantes de quase todos os órgãos do corpo humano, verdadeiros milagres da tecnologia moderna. 
São, portanto, nossos semelhantes nas filas os reais responsáveis pelos momentos desagradáveis e incômodos. 
Para ilustrar, aqui vai outra historinha.
Certa ocasião, último dia do mês, aquele famoso “pico”, as filas na nossa agência estavam intermináveis. Era tanta gente que os aparelhos de ar condicionado não aliviavam o abafado calor. Uma senhora, nitidamente com excesso de peso (nada contra os seus lipídios), estava logo atrás de um cidadão, que, como os demais, reclamava sem parar. A gorda senhora, suada e agitada, mexia-se sem parar. E cada vez que ela se movimentava, involuntariamente, uma grande bolsa que ela portava acertava sempre o senhor a sua frente. Ele, chateado, olhava para trás e ela, candidamente, pedia desculpas. 
Esta dinâmica perdurava enquanto a fila se arrastava lentamente. Notando que a volumosa dama não ia parar com aquelas porradas, o seu vizinho, não suportando mais, voltou-se e lhe fez a seguinte proposta:
– A madame não deseja trocar de lugar comigo? Eu ficarei atrás, a senhora me empresta a sua bolsa, e eu ficarei batendo com ela na sua bunda gorda.
Ela, com toda a ternura do mundo, respondeu:
– Desculpe, mais uma vez, senhor!
E a sua grande e pesada bolsa continuou importunando o infeliz colega de fila até o final.
Certamente, a fila é uma instituição mundial, mas em virtude dos sofrimentos que ela nos impõe, em certos momentos, desejamos destruí-la, sufocá-la, ou melhor, literalmente, “furá-la”.

Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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