A bajulação e o beija-mão
O ato (ou seria o vício) da bajulação é tão cultivado no Brasil, que vamos encontrar inúmeros sinônimos na Língua Portuguesa para o verbo bajular: babujar, chaleirar, babar, endeusar, incensar, melar, puxar, rastejar, sabujar, pajear, etc.
O chaleirismo, por sua vez, já rendeu muitas músicas no Cancioneiro Popular Brasileiro. Na década de 1940, exatamente no carnaval de 1946, numa homenagem ao puxa-saquismo nacional, o Brasil inteiro cantou uma canção que dizia: E o cordão do puxa-saco cada vez aumenta mais...
Zeca Pagodinho, nosso bom sambista, compôs uma música cujo título é “O Puxa-saco”, que entre outras pérolas também dizia:
“Se o chefe chora, ele consola, também chora
Sem demora pega um lenço para enxugar
Se a piada é sem graça, nem disfarça, ele é o primeiro
Puxa o coro para gargalhar, é o queridinho do patrão
É protegido, baba ovo, pela saco
É um carrapato que no saco dá”.
Como se constata, a bajulação vem de longe e parece ser uma instituição nacional.
Não conheço outros povos, mas acredito que o brasileiro é o mais eficiente e sofisticado no ato de bajular. Ele bajula para angariar favores. Bajula para ganhar simpatia. Bajula para ganhar vantagens financeiras. E bajula para não perder o vício da babação.
E sabem o que se torna pior? As pessoas “babadas”, principalmente as da casta política, parecem gostar pois não coíbem nem desestimulam o excesso de “incenso”.
Eu já escrevi, em texto anterior, sob o título “Calabar, um injustiçado”, afirmando que, na minha modesta opinião, um dos maiores brasileiros do passado foi o alagoano Domingos Fernandes Calabar (1600 – 1635).
Por quê? Porque ele jamais foi traidor, como nossos antigos livros de história nos contaram, e anteviu que o Brasil seria melhor colonizado por holandeses do que por portugueses. Será que ele não tinha razão?
Mas, por que eu estou repisando esse assunto? Porque tenho uma forte suspeição de que a “babação nacional” é uma consequência do “beija-mão”, uma péssima herança da Coroa Portuguesa.
Vejam que primor nós podemos ler (na página 200) do ilustrativo livro “1808”, do jornalista e escritor Laurentino Gomes, que retrata a fuga de D. João VI para a colônia brasileira e a sua permanência aqui até 1821, trazendo de Portugal os vícios e as mazelas daquela corte para os brasileiros e, quando partiu, levando do Brasil todo o dinheiro do Banco do Brasil, que ele (D. João VI) fundou e afundou:
“Nada, porém se compara ao beija-mão. Era o momento em que o rei, acompanhado de toda a família real, abria as portas do palácio para que os súditos pudessem oscular as mãos, prestar homenagens e fazer diretamente qualquer pedido ou reclamação. Esse ritual, muito antigo, já tinha sido abolido havia muito bastante tempo pelas demais cortes europeias, mas ainda era praticado em Portugal e pelos vice-reis no Brasil colônia”.
Que tal? Além de uma patente falta de higiene (D. João Vi não gostava de tomar banho), o sujeito ia para o “beija-mão” para, além de dar vazão à sua babação, aproveitar e solicitar favores reais. Todos tinham o direito de beijar (babar) a mão do rei, mesmo quem não era nobre ou fidalgo.
Comprovando que o beija-mão, uma forma oficial de bajulação, também servia para solicitar “vantagens reais”, leiam o que também escreveu o historiador Malerba, sobre o assunto:
“Era uma cerimônia que punha o monarca em contato direto com o vassalo, que lhe apresentava as devidas vênias e suplicava por alguma mercê”.
Resta alguma dúvida?
Como nós, os descendentes daqueles vassalos brasileiros da Coroa Portuguesa, viciados no “beija-mão” não podemos ser, atualmente, grandes e monumentais “bajuladores”?
Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha
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