Páginas

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Isabel de Brito, uma timbaubense de fé!



Arysson Soares da Silva

Com o desenvolvimento da população da Fazenda Timbaúba Velha surgiu a necessidade de uma melhor assistência religiosa. Os padres desde 1809 saíam de Caicó a cavalo, percorriam 22 km atravessando dois rios até a referida Fazenda para suprir as necessidades da religião e do seu povo. Por quase 100 anos a hospedagem dos padres era na Casa-Grande & Fazenda Timbaúba, em residência do seu povoador, José Baptista dos Santos, que destinou uma dependência somente para hospedar sacerdotes, tamanha religiosidade da tradicional família Baptista de Araújo. Aliás, também o animal equino que conduzia o Padre era bem tratado. Com farta comida e bem servido, o cavalo era o transporte utilizado pelos Padres para Jardim de Piranhas, lugar a 12 km daqui, com retorno e pernoite em Timbaúba. 
Ora, aqui era o melhor lugar... Tinha galinhas gordas, doces e iguarias onde dava plena certeza da melhor hospedagem. No dia seguinte, em regra, o Padre seguia para Caicó, antes almoçando na Fazenda Sabugy dos Melos, local de costumeiro apoio aos sacerdotes. Em seguida, de volta a estrada, até a Catedral de Sant’Ana onde tinha que repassar tudo em tinta e papel os dados de batizados, casamentos e assentos das Irmandades das Almas e do Seridó e, quando era o caso, também da Confraria dos Negros.
Com o falecimento do Patriarca José Batista os filhos ficaram encarregados dessas funções, sobretudo, Maria José da Conceição (Mãe Dondon). Madrinha Cecília, filha de Mãe Dondon, por muitos anos segurou a tradição, depois transferiu para suas netas Bertina, Beatriz e Stela tais ofícios. As meninas de José Clemente foram grandes hospedeiras dos padres na Timbaúba. Ambas ficaram moças velhas e beatas quase seculares. Serviram com afinco a religião.

Isabel Isaura de Araújo (Isabel de Brito), nascida na aludida Fazenda de seu Bisavô José Baptista, jovem órfã de mãe desde pequena, muito católica, devota e apaixonada pelas coisas cristãs, namorou seu primo Isaías Sérgio de Brito, onde mantiveram os primeiros olhares na Casa-Grande da referida propriedade por ocasião de um batizado de um primo naquela época. Olhares, enfim, que apressaram o namoro. Isaías era primo legítimo de Isabel, rapaz bonito e familiar, mas que morava pra bandas da Fazenda Pedra do Sino, no Caicó, e estava sempre vindo pra bandas da Timbaúba, via Fazenda Logradouro dos Enéas, onde ali habitava sua irmã Dona Ana Almira de Brito, casada com o também primo Almino Enéas Pereira.
Isaías levado pelo amor a prima legítima aproveitou o ensejo e resolveu vir trabalhar com seu pai, Belino Sérgio de Brito, melhor carpinteiro dessa freguesia, no auxiliar dos madeiramentos das casas da Timbaúba. Na confecção das mobílias era Manoel Enéas Pereira, especialista da maioria. Numa parceria entre Belino e Manoel Enéas todas as casas e Fazendas mantinham os famosos carpinteiros, tudo feito com muito zelo e alegria.
Numa noite de lua Isaías cuidou no preparo e pediu a mão de Isabel a Sabinão de Timbaúba. Logo o pedido virou assunto no domingo seguinte na Fazenda e na vizinhança de Timbaúba. Estavam noivos: Isaías de Belino e a linda moça de Sabinão de Timbaúba. Passados poucos meses lá vem o grande casamento. Muita gente convidada! Fizeram até uma grande latada para abrigar os convidados vindos do Logradouro ao Amparo. Ali nascia o amor bem guardado do casal do recém povoado da fé e cristandade a São Severino Mártir.
O casamento de Isabel até o vestido fora encomendado pela costureira maior de Timbaúba.  Madrinha Cecília preparou tudo até os babados. O tecido veio do Recife antigo, muito bem encomendado. A festa de casamento chamou atenção. Fizeram bebidas, teve diversão, aluá bem servido, cana de cabeça. O vinho Velho do Porto também foi servido e a mesa do pif paf erguida. Até o padre provou da buchada na cozinha, ali garantido.
Meses e anos de casamento e nada de engravidamento. Diziam os mais velhos dessa terra que a jovem Isabel tinha problemas uterinos. Ali nascia a promessa a São Severino. Numa Sexta-Feira o pedido foi certo. Isabel solicitou os préstimos a São Severino por ter notícias de milagres do Santo em Paudalho, próximo a Recife, e também em São Paulo, por informações dos primos e familiares. 
Poucos dias se foram e a gravidez apareceu... Parecia barriga de menino. Com 9 meses e poucos dias contados no calendário velho da parede da Casa-Grande de Sabinão (Timbaúba dos Batistas), nascia pelas mãos da parteira alforriada Bastiana, a criança desejada. Na pia batismal, improvisada na Casa Grande da Madrinha Donina de Enéas no Logradouro dos Enéas (Timbaúba dos Batistas), em vez de Severina o Padre batizou por “Eugênia” a aludida menina.
O jovem casal morava na Casa Grande do Sabinão, é verdade. Era alegria daquela casa. Eugênia crescia linda e zelada. Seus tios eram muitos na Timbaúba de outrora. Nos domingos todos se reuniam e era aquela farra... Tinha bingo, pif, buraco, jogo de dama, desfile das moças, repente cantado, era a festinha do recém povoado.
Isaías, por sua vez, se tornou comerciante. A sua loja de tudo vendia, do tecido bom vindo do Recife encomendado, da peça do retalho a ele sempre mantido e guardado, os botões, as coisas de costuras eram ali vendidos a preço de mercado e assim também se dava desenvolvimento do povoado.
Num certo dia chegou o convite para ir a São Paulo. Vai ou não vai, a dúvida do casal! Juntaram-se alguns e foram fazer o teste no sudeste de São Paulo. Por problemas de saúdes, Isaías voltou ao Seridó. O casal ficou residindo na Rua da Matriz de Sant’Ana na casa dos familiares, numa vivenda do Coronel Martiniano, ali cedido ao casal pelos filhos do citado líder caicoense.
Nos sábados de feira, próximo ao velho mercado no Caicó próspero, tinha um cantinho guardado: era o caldo de cana gelado de Sabinão da Timbaúba e por Isaías era servido e bem preparado. A freguesia era grande, os primos todos compravam, o casal era bom de comércio e de estima. Mas, em uma tarde de feira arrumaram os baús e as malas e regressaram para Timbaúba. Com o apoio de muitos, reconstruíram a loja deixada.
O comércio crescia e era alegria para o povoado. Isabel começou a campanha da construção da capela prometida ao lugar abençoado. Campanhas e mais campanhas eram mantidas em dias e feriados. Todos ajudavam. Até uma feira ao lado da casa grande foi erguida no povoado. Da chinela de rabicho ao pudim e manjá, tudo era vendido e a percentagem do santo ali era respeitado.
Isabel era alegre, idealizava tudo no povoado, os primos ajudavam, até sua vaquinha entrou no leilão da construção da capela. É pura verdade! Na feira de Timbaúba a coisa era animada até o velho Carretel ajudou a montar sua barraca; Antônio Francisco tinha o seu barraco dos pães; Maria de Pedro Soares vendia alpargatas, ovos e broas pretas; Maria de Alexandre vendia caldos. Todos tinham aos santos domingos seu cantinho na feira do povoado.
No dia 30 de outubro do ano de 1929 foi comunicada com bênção a instalação da Pedra Fundamental da Capela no povoado. Todos eram aguardados próximos ao local cedido por Ananião e Senhorinha. Os vaqueiros montados traziam também cartas, promessas 
escritas e ali eram colocadas numa pedra fundamental de um sonho de toda uma população da Timbaúba querida e preservada. Contou-me Dona Beatriz Torres que até dinheiro foi ali enterrado em sinal de progresso naquela pedra fundamental abençoada. 
Os serviços progrediam dia e noite em um voluntariado, todos ajudavam, na mão de obra e no traçado, a exemplo de Belino Brito, Euclides e Manoel Enéas que fizeram o emadeiramento da Capela do Santo almejado. Construída a capela simples e erguida no povoado, a seca tirana fez com que a fundadora tivesse que procurar nova vida, deixando a missão para as primas: Bertina, Beatriz e Stela. Foi um choro grande na Timbaúba de outrora. Despedia-se desse torrão a fundadora da história, a devota maior de São Severino Mártir!

Arysson Soares da Silva é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Rio Grande do Norte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário