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domingo, 25 de novembro de 2018

Uma delicada cirurgia


Ciduca Barros

Quem viveu, antigamente, em cidades do Seridó, sabe como nesses lugares havia carência de quase tudo.  
Faltavam: água, energia elétrica, estradas, colégios e médicos.
Aquele município também era desprovido de recursos modernos.
E dos seus maiores problemas, destacava-se o da área médica. 
Havia apenas um médico, homem de idade avançada e, segundo os habitantes locais, comprovadamente inapto. 
Como não tenho formação em Medicina, contarei a seguinte historieta e o leitor deduzirá se o homem era ou não incompetente.
Os profissionais de Puericultura não se cansam de advertir: cuidado com os acidentes infantis. 
Crianças são figuras astuciosas e traquinas. 
Meninos estão sempre fazendo besteiras e, justamente por isso, precisam de constante vigilância.
Então, naquela época e naquela carente cidade, um garoto, que era useiro e vezeiro em fazer besteirada, armou mais uma: colocou um caroço de cajarana dentro do seu próprio nariz.  
Em vista disso, aquela saliência da anatomia humana, que tem apenas as funções olfativa e respiratória, de um momento para o outro passou a contar com um objeto estranho em seu interior: o tal caroço que, segundo o Novo Dicionário Aurélio, nada mais é do que “um núcleo, lenhoso e muito duro, dos frutos de tipo drupa”.
Seus pais tentaram tirar aquele corpo estranho do nariz da criança, mas, infelizmente, não conseguiram. 
Portanto, o passo seguinte foi levar o travesso, seu nariz e o seu caroço de cajarana para a única pessoa habilitada em exercer a Medicina naquela cidade: o nosso doutor.

Depois de efetuar profissionais e minuciosos exames na narina do garoto, o “hómi” firmou o seu abalizado conceito médico:
– O caso aqui é muito sério. Vocês terão de levá-lo para Natal onde existem meios apropriados e técnicas modernas para a retirada do caroço.
Os pais, agora visivelmente preocupados, entraram no seu possante fusquinha e tomaram o rumo da cidade grande e, consequentemente, de Medicina mais avançada.
Das inúmeras carências daquela cidade já citadas aqui, uma delas era a ausência de estradas asfaltadas. 
Na saída da cidade havia uma ponte e, logo a seguir, os veículos já enfrentavam uma deficiente “estrada de barro”, com uma trepidação infernal.
E foi ali, logo após a saída da ponte, simplesmente a 100 metros do ponto de partida, que o milagre aconteceu. 
O fusquinha começou a trepidar na estrada e o caroço de cajarana não resistiu: pulou fora.
E então? O doutor era competente, ou não?

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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