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domingo, 18 de novembro de 2018

Caça às lombrigas


Ciduca Barros

Em nossa vida, os fatos se sucedem com tanta rapidez, mormente depois que o mundo entrou na era da informática, que, enquanto estamos absorvendo uma novidade, aparece outra deixando aquela obsoleta. E essas mudanças rápidas, que alguns chamam de “marcha do progresso”, ocorrem em todas as áreas do desenvolvimento humano.
Depois que envelheci, fiquei nostálgico e passei a remoer as minhas lembranças do passado. E quando nós reviramos às nossas lembranças de outrora, batemos de frente com o hodierno e, às vezes, achamos hilário. 
Remexendo as minhas memórias de uma infância distante, na nossa saudosa Caicó do passado, afluíram à minha mente algo que a minha mãe fazia que, me parece, era um procedimento igual a todas as mães da sua geração – uma caça anual às lombrigas. 
Final de ano, férias escolares, elas (as mães) já nos advertiam:
– Vamos tomar purgante! 
Caramba! Era um suplício para todos nós.
Para os mais jovens que, possivelmente, não sabem o que era um purgativo, eu explico. O garoto tomava uma substância que lhe causava uma forte evacuação intestinal. Entenderam? Vou explicar melhor. O cara tomava um preparado que o fazia cagar até as tripas.
Os laxantes eram uma observação à parte. Primeiramente, todos, absolutamente todos, eram extremamente fedorentos: óleo de rícino, batata-de-purga, maná com sena e alguns purgativos farmacêuticos que torturaram nossa juventude (minha mãe comprava Neocitran). Não importa qual purgativo, todos eles causavam cólicas intestinais e, logicamente, dores e desconfortos.
Transcrevo mais um diálogo:
– Mãe! Minha barriga tá doendo!
– É assim, mesmo! São “as bichas” morrendo! 
Os purgantes fediam tanto que tínhamos que fechar as narinas para não vomitarmos. Ainda hoje, lembro-me de minha mãe, com aquela gororoba numa mão e a banda de uma laranja na outra, cedinho da manhã, ordenando:
– Levanta! Chegou a hora do purgante!
E ainda acrescentava:
– Beba tudinho de “guti guti”!
Os dias destinados aos purgantes, foram dias perdidos em nossa infância. 
Por quê? 
Porque o purgante era tomado sempre nas primeiras horas da manhã, com a vítima em jejum. O efeito vinha logo a seguir e permanecia constantemente até à tarde. Ou seja, o garoto cagava sem o c.... saber, durante várias horas daquele fatídico dia. No fim da tarde, a garotada, naturalmente com aquela lassidão causada pela desidratação da diarreia, ficava quietinho e pedindo para morrer.
E tem mais! Elas (as mães) tinham ainda algumas medidas que aumentavam, ainda mais, o nosso suplício. Primeiro. O aposento do nosso suplicio (ou seria a cela?) permanecia na penumbra. Segundo.  O garoto tinha que cagar num penico.
Por que no penico? Porque elas (as mães) tinham que fazer o recenseamento da população das lombrigas existentes nas tripas de cada um dos seus filhos.
Posteriormente, o censo dos lombricoides, era tema das conversas entre elas:
– Meu filho botou sete lombrigas! – dizia uma.
– Só? Pois, fulaninho, meu filho, uma vez botou foi dez! – retrucava outra mãe, mostrando-se orgulhosa.
E a coisa não parava por aí. Após o purgativo, tivéssemos botado lombrigas ou não, vinha o segundo round: os fortificantes. 
E tome Emulsão Scott!  E tome Biotômico Fontoura! E tome...!
Onde diabos nós arranjávamos tantos parasitas intestinais? Será porque vivíamos soltos e livres pelas ruas e campos, descalços, jogando bola e, de baladeira no pescoço e gaiola nas mãos procurando passarinhos? Ou será que era uma consequência dos banhos de poços, açudes e rios. 
O modus vivendi dos nossos filhos e netos, contidos na cidade grande e presos em fechados apartamentos, não lhes permitiram criar lombrigas, nem tampouco passar pelo desconforto de um purgante.

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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