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domingo, 29 de abril de 2018

Prosas do Seridó

Seridó das tradições populares e da Festa de Sant'Ana
Janduhi Medeiros

Seridó 
Melhor do que o mar
Melhor que as praias distantes
Melhor do que as estiagens permanentes 
O Seridó só perde para as poesias escritas nas pedras rupestres
O Seridó é mais aprazível que as parábolas dos hebreus
As feiras estão esquecendo seus cordéis
As cantorias dos alpendres estão dormindo 
As cercas de pedras sumindo 
A desertificação está invadindo o juremal 
A violência assassina o encanto 
Mas
O Seridó continua grande
Ouro Branco onde Orilo Dantas fazia versos para defender as oiticicas
Aos sábados
Declamava nas feiras de Caicó 
Durante a feira 
Repentistas
Emboladores 
O homem da cobra 
Vendendo pomada que curava as dores
E os embriagados 
Cantavam Waldick Soriano
A Serra da Rajada é mais sagrada do que o Monte de Sião 
As cordilheiras andinas têm confinamento de frio
Mulungu 
Samanau
O sertão 
A luz do sol
Íris era a moça mais bonita das ribeiras
Torrão trabalhava com o pai dela
Torrão espreitava Iris todos os dias
A garotada jogava bola nas areia do rio
Depois
Fazia cacimbas
Na própria areia
Para afugentar a sede
Na Rádio Rural 
Elino Julião cantava:
“Eu não quero pagamento 
Nascimento...”
Mas o Seridó é grande
E o rei era Luiz Gonzaga 
Elino não reclamava 
Caboré sempre dizia 
Que as calçadas do Seridó 
Eram melhores do que as de Paris 
O carnaval com Ala Ursa
O papangu corria atrás das crianças 
Pra pegar
De mentirinha 
As ruas lotadas de foliões
Me preocupava as invasões das alegrias descartáveis
Nos sons eletrônicos 
As chuvas anunciavam a chegada do inverno 
Todos recebiam o inverno com lágrimas de contentamento 
Quando o Itans sangrava o Barra Nova corria na direção de Jucurutu 
Os agricultores 
Plantando algodão mocó 
Espalhando semente pela terra prometida 
Todo ano
Judas era enfocado em plena praça 
As fogueiras assando milho
Nas noites de São João 
O Trio Nordestino
Fazendo forró de raiz
Forró com cheiro de povo
Festa de Santana...
O Parque Lima era o melhor carrossel da infância do mundo
Pertinho de Caicó ficava Timbaúba dos Batistas
Com suas festas reluzentes 
Carnaúba dos Dantas tinha Felinto Lúcio 
Com seus dobrados sacros 
Acari reservava agosto 
Para a procissão
Os vaqueiros tangiam o rebanho
Vestidos de gibões 
Acalentavam o gado
Improvisando aboio
E nos espinhos da caatinga inóspita 
Corriam 
Com valentia 
Para derrubar o touro mais bravio
Nas feiras 
As ruas eram lotadas de feirantes 
Uma senhora vendia filós com mel
Tinha vendedor de sequilhos 
Os melhores sequilhos
De todos os cafés 
Eram os sequilhos das feiras do Seridó 
Quem nasce no Seridó 
Sabe conversar
Sabe se sentar num tamborete
E passar a noite numa prosa 
Respeitando as estrelas 
Nas conversas
Sempre tinha alguém 
Debulhando feijão 
O Seridó tinha a melhor prosa da noite
Carne de sol 
Servida com farofa d’água 
Vixe!
Emídio Mucica 
Grande mágico 
Nos circos
Da capital carioca

Ele era conhecido como “Mister Fred”
Queijo com goiabada 
Na merenda 
Ave-maria!
Quem não entendia do sabor da terra
Dizia que o seridoense era barrista
Cabra besta...
Não sabia
O infeliz 
O significado do amor!
Padre Miguel me confidenciou 
Que gostaria de ser seridoense 
Pra falar da terra com orgulho 
Seridó 
Os versos de José Lucas
As canções de Sebastião Dias
Nos dez de galope 
O Seridó abraçando as pessoas
Liverpool vestido de algodão mocó
Tomar café nas cozinhas dos sítios 
Era a coisa mais deliciosa das tardes
Quero voltar
Escutar Torrão falando das moças bonitas
Dos costumes dos judeus 
Dos feirantes
Dos açudes sangrando
Da grandeza da terra 
Nas prosas do Seridó.

Escritor, poeta e colaborador do Bar de Ferreirinha

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