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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Candelabro de ninho

Stoessel Dias, o Xexéu, decano da boemia de Caicó

Janduhi Medeiros

O Bar de Xexéu, nos primeiros sábados da década de setenta, era o ponto mais festejado nas rodas de encontros em Caicó.

A força equatorial do clima sertanejo propicia celebrar a linha da tarde sentado à mesa, arrodeado de amigos, proseando e, claro, degustando um líquido gelado. 

Na sexta-feira, então, o clima ganha uma espécie de devoção social, pois a cidade inteira fica em comunhão, esperando o pôr do sol, para adentrar a noite com a mente aliviada, hábito que vem das religiões antigas, para o sábado ser abraçado com o repouso do alvorecer e a ternura da feira.

Isso é conservado no Seridó pelo elemento da interação social, com grande valor cultural e devoção, fazendo girar os círculos de conversas pelas calçadas e pelos bares.

Além dos refrescantes e da prosa, o bar oferendava um petisco de carne de sol, famoso entre os apreciadores da iguaria que deu fama à cidade.

Xexéu conhecia bem as regras desse estado de espírito e disponibilizava ainda, em seu ambiente, uma atmosfera sertaneja singular.

Mesas e cadeiras surradas, balcão engordurado, o teto do bar, para se ter uma ideia, era ornado de ninhos de pássaros sertanejos e teias de aranhas. 

Quando faltava assento, caixas de cervejas transformavam-se em tamboretes. 

Tudo era mágico naquele circo fraternal.

Os ninhos eram os próprios fregueses que arranjavam, as aranhas cultivadas pela natureza da confraria.

Todo mundo adorava essa estética. 

Tinha um ninho de xexéu que se destacava, parecia um candelabro que iluminava de garranchos e encantos a penumbra do recinto.

Além de tudo, Xexéu incorporava um personagem sertanejo, urbano cômico, extremamente carismático e de umas tiradas, de improvisos, que faziam parte da pintura da alegria.

Quem dava chance, ele não perdia a oportunidade.

As tiradas de Xexéu alimentavam de gargalhada o arrabalde da esquina.

Eu, menino, não podia me sentar em uma mesa, pedir uma cerveja e cruzar os pés para menosprezar as horas, deixando o tempo passar, mas ficava admirando o movimento com imensa inveja dos adultos, torcendo para o tempo passar rápido, pois, uma vez crescido, minha primeira providência seria tomar uma cerveja no Bar de Xexéu com as pernas cruzadas, degustando uma carne de sol, escutando as estórias dele e saboreando o fim da tarde, como se fosse um sacerdote apreciando uma taça de milagres.

Quando alguém levantava dedo e pedia um petisco, Xexéu saía, pegava uns quilogramas de carne de sol num marchante próximo, retornava rápido, cortava o colchão salgado e colocava os pedaços num braseiro. 

Num instante era servido, devorado e todos gostavam.

Esse era o rito, os confrades apreciavam e respeitavam, pois era o ato mais solene daquele templo social.

Não era raro um cliente convidar Xexéu para beber uma cerveja numa esquina distante, num sítio, ou numa cidade vizinha.

Ele não recusava o convite, pegava a chave do bar, colocava na mesa mais íntima, pedia ao cliente da cabeceira para tomar conta e o último que saísse fechasse o estabelecimento.

No outro dia, Xexéu ficava procurando quem fechou o bar, para acertar as contas: tudo certinho.

Isso pautava a conversa durante o dia todo.

Na Suíça, esse episódio seria motivo de documentário mundial, como destaque de civilidade.

A clientela do Bar era a fina flor das famílias cultivadas nas terras hebraicas do Seridó. 

Aquela esquina, a sala mais ampla dos encontros. 

Até dona Benedita, a mãe de Xexéu, vez ou outra, passava por lá para observar o trabalho e as espécies dos amigos do filho, cuidado materno natural.

Certa vez, espiando ele preparar um petisco, percebeu a falta de cuidado com as verduras, imediatamente exclamou:

“Xexéu, você não lavou as verduras…”

Xexéu de pronto respondeu: “Mamãe, quando a senhora compra pão, antes de comer, a senhora lava?”.

O ambiente quase vai abaixo com as gargalhadas.

Assim era o Bar de Xexéu.

Eu gostava de passar ali, por perto, pois existia um clima de alegria contagiante, de fraternidade, dando a impressão que a felicidade coletiva é uma coisa possível, próxima de todos.

Essa atmosfera ficou na minha memória, colada como um imenso retrato.

Hoje, Xexéu tem 94 anos, não tem mais o bar, que apenas ficou pregado na memória da cidade, mas gosta de ficar conversando, degustando uma bebidinha com os amigos, nos bares de sua preferência.

Sempre que vou a Caicó, aprecio passear pelo mercado e contemplar os pontos comerciais, como quem folheia um álbum de recordações na busca de uma fotografia preferida.

O ponto da esquina, onde funcionou o lendário Bar de Xexéu, é uma loja de antiquários sem o candelabro de ninho…

Janduhi Medeiros é escritor e poeta

Um comentário:

  1. Parabéns amigo Janduhi !!! Um relato do famoso BAR DE XEXEU , ao qual tive a oportunidade de tomar umas !!!

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