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quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Diarreias mentais - CLXXX


Aposentadoria por invalidez

Recentemente, o Governo Federal dificultou o acesso à aposentadoria para todos os trabalhadores brasileiros o que, logicamente, tornou esta historieta ainda mais distante da realidade atual.
Antigamente, vimos trabalhadores brasileiros, ainda jovens e com pouco tempo de contribuição, darem aquela “enrolada” no INSS (naquela época, INPS) e conseguirem suas aposentadorias por invalidez.
Todos nós conhecemos pessoas que se aposentaram, por invalidez, sob a alegação de delicados problemas de saúde, e continuaram lépidos e fagueiros pela vida afora. 
Como eles conseguiram, não sabemos. Posteriormente, a previdência oficial, acertadamente, fechou aquela porta de irregularidades.
Esta historieta, cujo personagem é nosso conterrâneo lá do Seridó, aconteceu enquanto aquela porta ainda estava aberta.
Alberto tinha menos de 30 anos de idade. 
Certa feita, sofreu um acidente automobilístico, coisa de pequena monta, e aproveitou o ensejo para urdir uma aposentadoria por invalidez. 
Sob a alegação de que estava com uma séria e dolorosa lesão na coluna vertebral, inicialmente, conseguiu ficar usufruindo de licença-saúde da previdência e, naturalmente, afastado do trabalho.
Durante esse tempo, ele era visto nos lugares mais improváveis para quem estaria com uma lesão tão delicada: boates (as baladas de hoje), rodas de samba, peladas de futebol, barzinhos, etc.
Por várias vezes, chegava a época de nova perícia médica para avaliação da sua licença e, inexplicavelmente, ele conseguia novo período de ócio e lazer. 
– Eu ainda vou me aposentar alegando este problema – jactava-se Alberto. 
E a vida do nosso amigo-enrolão continuou, meses e meses, de pândega em pândega, até o dia de mais uma perícia médica. 
Como nas ocasiões anteriores, ele chegou ao INPS, dramaticamente, torto. 
Lembram-se daquele gato na garrafa da Zinebra? Ele sempre entrava ali daquele jeito, fazendo três rastros. 
Quando adentrava na sala do médico-perito ficava mais torto ainda, como Quasímodo, personagem do livro “O Corcunda de Notre-Dame”, de Victor Hugo.
Como eu relatava, naquele dia, aquela figura, misto de gato da Zinebra com Quasímodo, entrou na sala do médico, vagarosamente, pisando no chão com uma cautela excessiva e com uma cara de quem estava sentindo muita dor. Em “câmara lenta”, sentou-se defronte ao birô do perito.
O médico, com a sua longa ficha médica na mão, o encarou e indagou:
– E então? Como está o seu problema na coluna?
O conterrâneo fez um longo e enfadonho discurso sobre o seu grave problema de saúde: que estava cada dia pior, com dores horríveis. 
Alegou que dormia muito mal. Informou que, como o doutor havia presenciado, ele mal conseguia andar. E disse que, tinha certeza, que aquele mal ainda o levaria a uma triste aposentadoria e blá, blá, blá.
O médico, de mão no queixo, silenciosamente, apenas escutava aquele lúgubre histórico.   
Depois de ouvir muita lamúria, o médico perguntou:
– Terminou?
Então veio a bomba que o enrolão não esperava:
– Você não seria um sujeito que pratica ginástica de alto impacto lá na Academia Brutamontes?
E a máscara do nosso aleijadinho caiu por terra. Ele vinha de há muito fazendo exercícios físicos (queria se aposentar, por invalidez e em forma) numa conhecida academia da cidade.
Ali, ele fazia os exercícios com tanto esmero e tanta perfeição, que o instrutor o punha sempre em frente da turma como protótipo. Não sabia ele que, o perito-médico, era um daqueles que ficavam lá atrás, humildemente, ouvindo o instrutor gritar:
– Espelhem-se em Alberto!
Naquele dia sua armação foi desmascarada. Foi-se o seu sonho de uma aposentadoria por invalidez. Ele saiu do INPS puto da vida, mas, andando normalmente.
Milagrosamente, estava curado!  

Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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