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domingo, 25 de fevereiro de 2018

O padre e a burra de sela

Ciduca Barros

É difícil viver nos nossos sertões do Seridó, mas já foi muito pior. No início do século passado, além de alguns problemas que ainda persistem, ainda havia a falta de estradas vicinais e, naturalmente, carência de veículos motorizados. Consequência: a locomoção era feita, em sua maioria, em lombo de animais de sela (o jumento, a mula e o cavalo).  
Os heroicos vigários dos longínquos municípios sertanejos também enfrentavam os problemas de locomoção, mas isso não era óbice para negligenciarem os seus deveres sacerdotais, pois eles também se deslocavam utilizando as montarias como meio de transporte.  
Naquele tempo, durante um pesado inverno, um dos nossos padres precisou atender a um chamado para oficiar a extrema-unção a um moribundo num distante sítio, de difícil acesso, de sua paróquia. Montou na garupa da burra do garoto que veio chamá-lo e partiram pelas estradas lamacentas afora e debaixo de muita chuva. 
Depois de ultrapassarem algumas dificuldades, chegaram à margem de um caudaloso rio que estava transbordando (de barreira a barreira, como dizemos lá no Seridó). 
– E agora? – perguntou o morador do sítio.  
– Vamos atravessar, eu preciso levar a unção a quem está morrendo. É o meu ofício – disse o valoroso vigário. 
O padre protegeu melhor os santos óleos e se enfiaram de rio adentro. Já no meio do rio, onde naturalmente é mais profundo, só estavam fora da água as três cabeças (do padre, do sitiante e, lógico, da burra).  
Foi quando o nosso pároco fraquejou e, com muito medo, começou a orar em voz alta. Rezou um pai-nosso. Rezou uma ave-maria.  
Quando começou a rezar a salve-rainha foi interrompido pelo garoto: 
– Padre, pelo amor de Deus, pare de rezar.  
E explicou:  
– Se esta burra for católica e se ajoelhar nós estamos fudidos!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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