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terça-feira, 10 de junho de 2025

O imbrochável... broxou!


Goya Bada*

Foi de dar pena o estado emocional de Jair Bolsonaro no depoimento a Alexandre de Moraes, hoje, falando mansinho, atropelando as palavras, gaguejando, visivelmente apavorado. Tanto que, durante horas de depoimento, só emitiu "entubar" como único exemplar do seu português ruim. Mas o sofrimento estava apenas começando.

O resumo é que o réu passou o tempo todo se lamuriando pela derrota eleitoral, mas em momento algum duvidou da legitimidade ou afirmou que a eleição foi fraudada. Mantendo a costumeira linguagem de botequim, declarou textualmente “tivemos que entubar o resultado das eleições”. Fez politicagem, se vangloriou, atacou Lula e adotou o papel de coitadinho que deixou a praia do Rio pelo “espinho” de subir o planalto para assumir a Presidência.

Talvez começando a entender o tamanho do problema que criou para si mesmo, em diversos momentos tentou culpar o próprio temperamento, a ponto de dizer que “tem se esforçado para melhorar”. Pediu para não ser condenado e que Deus iluminasse os votos de todos os juízes que o julgarão. Vexatório! A cara dos advogados deu o tom da preocupação sobre o futuro.

Houve um momento de grande constrangimento quando reconheceu que fez acusações levianas sobre propinas a três ministros do Supremo (Barroso, Moraes e Fachin). Afirmou que não tinha provas, que foram bravatas, chamou à cena o “temperamento” mais uma vez e pediu desculpas públicas aos três.

Outro enorme constrangimento se deu quando reconheceu que pode ter exagerado nas críticas às urnas eletrônicas, que estava apenas alertando sobre problemas de fraude que poderiam ocorrer “no futuro”, pois “nenhum sistema computacional está livre de invasões”, que pode estar imune hoje, mas ser invadido e fraudado no futuro. De quebra, defendeu as eleições paraguaias e venezuelanas.

Mais um constrangimento foi reconhecer que o relatório da comissão de militares não apontou qualquer irregularidade sobre o sistema das urnas eletrônicas e negou pressão (de que é acusado) para mudar o resultado do relatório e postergar a divulgação para depois do 2º turno das eleições.

Mais um constrangimento ocorreu quando interrogado sobre a minuta do golpe e reconheceu que eram apenas “ilações”, “considerandos”, “conversas informais”, que o material foi mostrado numa tela aos comandantes militares e que não fez os enxugamentos (de que é acusado) no texto original.

Em muitos momentos delicados, repetiu o “modelo Lula”: não sabia de nada, não viu, não foi informado. Ou seja, é legítimo supor que presidentes não governam o país, não têm autoridade, todo mundo faz o que quer em Brasília.

Confirmou a reunião com Zambelli e o hacker Delgatti e disse ter encaminhado o rapaz para o Ministério da Defesa e “não soube de mais nada”. Ou seja, ao invés de mandar prender um sujeito que prometia invadir o sistema eleitoral do país que supostamente governava, mandou-o apresentar o “projeto” ao ministério. E finalmente lançou a deputada fujona aos tubarões ao confirmar a reunião.

Não lembra de ter telefonado para o general Heleno retornar às pressas a Brasília. Ou seja, deixou no ar a impressão de que o milico de pijama – sentado logo atrás com cara de paisagem – está fora de órbita, pois deixou a festa do neto e pediu carona ao minstro da Aeronáutica (leia-se jatinho da FAB) para atender o chamado.

O pior momento de todos: convidou o ministro para a viagem política que pretende fazer nos próximos dias “se o senhor autorizar”. Depois de levar um elegante “declino” pela testa, rastejou ainda mais: convidou Alexandre de Moraes para ser vice dele na eleição de 2026. I-NA-CRE-DI-TÁ-VEL!!!

Um degradante pedido de penico ao “inimigo” em rede nacional, com vergonhosa bajulação. Algo que pode ser lido como “estou apavorado!”. Imediatamente, a militância entrou em parafuso e se dividiu. A banda mais bronca achou tudo muito engraçado, que o sujeito deu um show no depoimento e ainda tirou onda nos dois convites surreais ao ministro. A banda que acreditava fazer parte da salvação do mundo foi tomada por um sentimento difuso de vergonha e revolta ao perceber que apenas fazia parte do bloco dos bobos alegres, já que o próprio Bolsonaro rasgou a fantasia de “vilão” e de “inimigo número 1” que havia sido desenhada para Alexandre de Moraes.

O procurador-geral Gonet chamou o réu apenas de “senhor Bolsonaro”, sem jamais citar o último cargo, evitando o ridículo vício oficializado pela liturgia bajulatória nacional.

Ao fim do depoimento do réu, o resumo da ópera parece um apito agudo de um trem desgovernado e rumando para o abismo. Em resumo, o imbrochável... brochou!

*Goya Bada não é jornalista. É um doce.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

IA virou a ‘bitcoin reborn’ da malandragem

 Djair Galvão

Brasil virou um 'celeiro' de especialistas em Inteligência Artificial. Aqui se vende todo tipo de solução com as IAs. Uma picaretagem intelectual que repete estratégia de negócios das moedas virtuais


Você rola a tela do telefone, em qualquer plataforma, e aparece um vídeo com alguém falando - em tom professoral - como é fácil falar inglês sem esforço, aprender mandarim em meia hora, tirar suas vendas do fundo do poço ou resolver seus problemas históricos com o uso da língua portuguesa. Outra mocinha, de dentes brancos como a neve, dirá que a dieta dos sonhos será prescrita em poucos cliques e seu emagrecimento já estará garantido. Um terceiro indivíduo, de blazer italiano da Shopee, calça de sarja e sapatênis, mostrará como seus vídeos ficarão perfeitos, dublados em qualquer idioma. Por fim, seu corpo será bem-cuidado: o algoritmo ajustará tudo, indicará exercícios e os melhores médicos e hospitais, se for o caso.

Estamos numa fase na contemporaneidade em que fantasia e realidade se misturam numa espécie de encantamento coletivo - ou de quase todo mundo.

Outra situação que certamente muitos conhecem: você é apresentado a um sujeito num encontro com amigos e ele diz ser “especialista em IA”. Tem plano de vendas, de aulas de inglês, de musculação, indicação de vinhos, cervejas artesanais e das comidas perfeitas para você se dar bem e ser feliz para sempre. As maravilhas embutidas nas suas promessas são embaladas em termos em inglês e em palavras supostamente inteligentes. Depois disso, basta assinar um contrato com a empresa dele - na verdade um site vazio qualquer que promete muito e entrega tudo nas mãos da Inteligência Artificial. Se ele encontrou um otário, negócio fechado!

Essa febre das IAs lembra a atual crise dos bonecos de silicone, que grupos de adultos aparentemente desajustados chamam de 'bebês reborn': o crescente número de pessoas que se entregam de cabeça a uma dita novidade que vai revolucionar tudo e mudar suas vidas num passe de mágica. Também me faz recordar as constantes ligações telefônicas que ouvi em salas de espera de aeroportos nas quais sujeitos marombados falavam com seus “clientes” sobre ganhos que estes teriam com mais e mais investimentos em bitcoins. Nas diversas ocasiões que acabei ouvindo, o vendedor estava sendo cobrado para devolver o dinheiro e dizia que estava aguardando a liberação daquele "investimento" pela empresa. Traduzindo: o golpista vendera moedas virtuais num esquema de pirâmide e a pessoa enganada havia notado. Era hora de inventar uma história e partir para a próxima vítima. 

Jogos de apostas de picaretagem como Tigrinho, a turma das pirâmides das bitcoins, o mercado dos bonecos de silicone e a procissão real ou virtual de vendedores de IAs parecem ter um encontro marcado nesta quadra da humanidade. Todos guardam essa relação: promessas, fantasias, enganação, venda de sonhos e - tcharammm!!! - acontece o milagre da transferência de recursos para o bolso de uns poucos.

As corporações norte-americanas disputam avidamente esse mercado, alimentam os influenciadores com suas telas mágicas, impulsionam seus conteúdos, pagam milhões a alguns - uma ínfima parcela do seu faturamento multibilionário -, cujas fronteiras se desconhece. Nada é feito por acaso. Nada está desconectado do processo avassalador de dominação por meio das plataformas virtuais, inclusive chinesas. Estas, com seus protótipos de Inteligência Artificial, atiçam uma briga planetária que só começou.

Do lado mais frágil, os ditos consumidores ou “usuários” (dependentes químicos, inclusive) desse modelo de negócios que é a nova face do capitalismo no século 21.

Na prática, essa corrida do ouro na qual uns poucos pegam o que puderem vai se desenrolando sem nenhuma regulação, a milhões de quilômetros de qualquer comportamento que lembre ética ou cuidado com a saúde mental das pessoas. Estas foram reduzidas a admiradoras de um mundo maravilhoso, cercado de malandros por todos os lados. Uma ilha da fantasia de onde, minuto após outro, milhares perdem suas identidades, suas vidas, seu futuro e mergulham na depressão e no vazio.

Até onde pode-se avistar, esse universo turvo das promessas de "tudo nas mãos de todos - em segundos" é produto de um surto coletivo. Que parece não ter fim. E que se transmuta numa velocidade capaz de nos enganar como fazem os mágicos durante seus truques no picadeiro. Sabemos que a magia que rola entre os gestos calculados desses profissionais nos prendem pela curiosidade, mas estamos sempre dispostos a buscar o próximo encantamento a ser mostrado.

Esse é propriamente o mundo que se descortina nessa selva de enganadores, trapaceiros e pretensos especialistas. Eles exploram, à moda dos aventureiros do Velho Oeste, os avanços tecnológicos em curso e aqueles que ainda estão por vir. 

A tecnologia usada como fetiche e que vira negócio ou “oportunidade”, como se diz no jargão do empreendendorismo e afins. Estamos diante de um mundo sombrio e fazemos de conta de que tudo está cada vez mais lindo.

Repetindo uma expressão clássica, “Quem viver, verá”.

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https://substack.com/@djairgalvao?r=282wgt&utm_medium=ios